12 de Junho, 2020

De forma a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise, foi recentemente anunciada a criação de adicional de solidariedade sobre o setor bancário, no valor de 0,02 pp, cuja receita será consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

A criação deste novo imposto, a incidir apenas sobre o setor bancário, é justificada “como forma de compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”.

Quer esta proposta, quer a respetiva fundamentação, partem, contudo, de pressupostos de que discordamos. Vejamos porquê:

1)      Por opção do legislador comunitário – que poderia ter sido afastada pelo legislador nacional - os serviços financeiros (bancários e seguradores) estão, por regra, isentos de IVA, não tendo, por isso, o cliente bancário de suportar IVA na generalidade dos serviços que adquire ao seu banco ou à sua seguradora. Esta isenção - existente há mais de 30 anos - não foi, contudo, introduzida para conferir qualquer vantagem ao setor financeiro, mas apenas por o legislador ter considerado como muito difícil determinar qual o exato valor acrescentado das atividades de intermediação financeira. De notar que, para além dos serviços bancários, existem outros que estão isentos de IVA, como por exemplo, os serviços seguradores, os serviços da área da saúde, da cultura e ensino

2)      Para além de não ter sido introduzida com o intuito de conferir qualquer vantagem ao setor financeiro, a isenção de IVA, aplicável à generalidade dos serviços financeiros, tem-se revelado, cada vez mais, como uma desvantagem para o setor. Com efeito, ao não liquidar IVA nos serviços que prestam, os bancos e seguradoras não podem deduzir o IVA que suportam nas aquisições de bens e serviços que lhes permitem exercer a sua atividade. Ou seja, se só 5% ou 6% dos serviços prestados aos clientes pelos bancos forem onerados com IVA (como se verifica com a maioria dos bancos a operar em Portugal), só 5% ou 6% de todo o IVA que os bancos suportam (nos pagamentos aos seus fornecedores) é que será dedutível.

3)      Considerando esta desvantagem para o setor – evidenciada em vários estudos e, como tal, já reconhecida pela Comissão Europeia - está atualmente a ser estudada pela Comissão, na sequência das distorções que os bancos têm vindo a apontar ao atual sistema, a possibilidade de reformular estas isenções de IVA no setor financeiro. Quer a Associação Portuguesa de Bancos, quer a Federação Bancária Europeia defendem que se deveria alterar o regime de IVA dos serviços financeiros. 

4)      Acresce que, em Portugal, apesar de não pagar IVA em muitos dos serviços financeiros, o cliente bancário paga Imposto do Selo. Ao contrário do IVA, que poderia, se aplicável, ser deduzido pelos clientes bancários empresas (que praticam operações com IVA), o Imposto do selo é um custo, não compensável com valores de imposto a entregar ao Estado. Ou seja, conforme também têm evidenciado os estudos, não são só os bancos que pagam mais impostos por via da isenção de IVA. São também os clientes bancários empresas que suportam uma carga fiscal mais elevada do que suportariam, se tal isenção não existisse.

5)      Nos últimos anos, o esforço contributivo exigido pelo Estado aos bancos tem sido bastante significativo, sobretudo se considerarmos que, neste período, a sua rentabilidade foi negativa. Entre 2011 e 2019, entre contribuições sobre o setor bancário e contribuições para o Fundo de Resolução, os bancos pagaram ao Estado 2.469 milhões de Euros. Nesse mesmo período, o setor registou perdas acumuladas de quase 10 mil milhões de euros.

Em suma:

O adicional de solidariedade sobre o setor bancário não vem compensar qualquer vantagem fiscal concedida ao setor. Vem, pura e simplesmente, sancionar todos os bancos e sucursais a operar em Portugal.

A todos é devida solidariedade, incluindo ao setor bancário. Mas ser solidário não pode significar tributar cidadãos e empresas sem atender à respetiva capacidade contributiva.

Qualquer imposto ou contribuição de solidariedade, a ser necessário, não deveria incidir exclusiva e primordialmente sobre o setor que, no momento atual, tem estado na linha da frente no apoio às famílias e empresas, e que, no futuro, terá um papel determinante na recuperação da atividade económica.

Não deveria, ainda, deixar de se ter em consideração os impactos da recessão provocada pela atual pandemia. Quando se sabe que o setor bancário vai ser, inevitavelmente, muito penalizado pela crise, faz sentido discriminá-lo de outras atividades económicas e exigir-lhe ainda mais este contributo?

Perante o momento extremamente desafiante que vivemos e vindo o sector de uma década de prejuízos e com os lucros atuais ainda significativamente abaixo do custo do capital, é essencial que a saúde financeira da banca seja preservada, não devendo ser criados mais entraves à capacidade dos bancos apoiarem a economia e os cidadãos e serem competitivos no espaço europeu.