6 de Janeiro, 2015

Audição Parlamentar sobre Proposta de Lei n.º 264/XII sobre a transposição da Directiva de Recuperação e Resolução das Instituições de Crédito, bem como a recente alteração da Directiva dos Fundos de Garantia de Depósitos.

Exmo. Senhor Presidente da Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública,
Exmos. Senhores Deputados,

Quero começar por agradecer a oportunidade que, mais uma vez, é facultada à Associação Portuguesa de Bancos de apresentar directamente junto desta Assembleia os seus comentários e contributos sobre projectos legislativos de relevância para o sector bancário, no presente caso a Proposta de Lei n.º 264/XII, que transpõe para o ordenamento jurídico nacional a Directiva de Recuperação e Resolução das Instituições de Crédito, bem como a recente alteração da Directiva dos Fundos de Garantia de Depósitos.

Estas, juntamente com a IV Directiva de Requisitos de Capital e os Regulamentos relativos aos Mecanismos Únicos de Supervisão e de Resolução, integram um conjunto de profundas reformas e de medidas de reestruturação que têm vindo a ser introduzidas no sector bancário europeu nos últimos anos.

A Associação Portuguesa de Bancos tem vindo a acompanhar com a maior atenção e empenho todos estes projectos, tanto a nível europeu, através da Federação Bancária Europeia, com a análise e comentário dos seus trabalhos preparatórios, como, a nível nacional, em resposta a consultas promovidas pelo Governo e pela Assembleia da República, em particular por esta Comissão Parlamentar.

No que respeita à Directiva de Recuperação e Resolução das Instituições de Crédito, durante a fase de preparação, recolha de pareceres e discussão, apresentámos os nossos contributos quer através da Federação Bancária Europeia, quer directamente junto da Comissão e do Parlamento Europeu e trabalhámos intensamente com as Autoridades Nacionais, Governo e Banco de Portugal, no sentido de defender pontos de vista essenciais sobre várias disposições relevantes do modelo de resolução, designadamente a defesa dos depositantes através da consagração da protecção dos depósitos, como créditos elegíveis que gozam de protecção privilegiada no processo de recapitalização interna ( bail-in).  
Podemos dizer que estivemos na primeira linha da defesa de tal solução e não devemos deixar de mencionar, nesta ocasião, o trabalho de grande e reconhecido mérito com que a Deputada Europeia Elisa Ferreira desempenhou a sua função de Relatora Principal no ECON para este assunto, bem como o que foi desenvolvido pelo Deputado Diogo Feio. Foi um desempenho prestigiante para o nosso país.

O modelo de Resolução não é, de facto, isento de algumas questões controversas, referindo designadamente as relacionadas com a defesa da concorrência.
No entanto, considerações ligadas à defesa da estabilidade financeira, de modo a evitar crises com potenciais impactos sistémicos, e à protecção dos contribuintes, minimizando eventuais intervenções do Estado, levaram à adopção deste modelo.

O modelo de Resolução pressupõe que os custos da resolução de um banco em situação de iminente insolvência são suportados pelos outros bancos, numa solução de “mutualização”, através do Fundo Único de Resolução, que tem a contrapartida de evitar eventuais riscos sistémicos, o que acaba por beneficiar todos os outros. Em imagem: não importa tanto o banco que falhou, mas quantos teriam falhado se o sistema não fosse posto em prática. E esse benefício superará os desvios de concorrência possíveis, nomeadamente ao fazer suportar pelos outros bancos os custos da resolução do banco em vias de insolvência…

Mas se a diluição desses custos pela generalidade dos bancos europeus, quando o Fundo Único de Resolução estiver dotado, poderá minimizar esses impactos, a situação é bem diferente quando nos reportamos ao nível nacional, em particular quando o “banco mau” tem dimensão relevante.

Importava, pois, conseguir, no âmbito europeu, uma solução o mais equilibrada possível. E foi para isso que, a nível dos intervenientes nacionais, Governo, Banco de Portugal e os nossos Deputados no Parlamento Europeu e a APB, se trabalhou e se deu importante contributo.

No que se refere à presente Proposta de Lei, tivemos oportunidade de apresentar ao Governo os nossos comentários ao respectivo anteprojecto e, posteriormente, tomámos a iniciativa de enviar a esta Comissão Parlamentar uma Nota Adicional sobre matérias que não constavam daquela versão.

Nessa Nota, debruçávamo-nos sobre os regimes transitórios constantes do artigo 14.º da Proposta de Lei, que complementam as alterações introduzidas ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF).

Referimo-nos, em particular, ao disposto no n.º 5 desse artigo no qual se estabelece que, para além das contribuições periódicas e contribuições especiais, previstas, respectivamente, nos futuros artigos 153.º-H e 153.º-I do RGICSF, podem ser cobradas ainda contribuições periódicas e especiais adicionais para o Fundo de Resolução, destinadas a possibilitar o cumprimento de obrigações assumidas ou a assumir pelo mesmo, por força da prestação de apoio financeiro a medidas de resolução aplicadas até 31 de Dezembro de 2014.

Como então assinalámos, não está contemplado para estas contribuições especiais adicionais o limite anual do triplo da contribuição periódica adicional do ano em causa, à semelhança do que está previsto no artigo 153.º-I do RGICSF.

Tendo em conta que na Proposta de Lei estas contribuições adicionais têm apenas como limite global aquele que vier a ser o valor final apurado quanto às obrigações assumidas ou a assumir pelo Fundo, em consequência do processo de Resolução do Banco Espírito Santo, é natural que os bancos estejam preocupados com o impacto que das mesmas pode resultar e que não é agora determinável.

Dado que tais contribuições não relevam para o cumprimento do nível mínimo de financiamento que o Fundo de Resolução deve atingir até 2024 (1% do montante de depósitos garantidos), mais se justifica, a nosso ver, que a lei preveja limites anuais máximos para estas contribuições, de modo a não onerar excessivamente as instituições participantes, que não são responsáveis pela medida de resolução aplicada ao Banco Espírito Santo.

Em qualquer caso, consideramos que o valor das contribuições periódicas e especiais adicionais deveria sempre ser ajustado em função do perfil de risco da instituição participante e ter em conta a fase do ciclo económico e o potencial impacto de contribuições pró-cíclicas na respectiva situação financeira.

O n.º 1 do artigo 14º estabelece, por sua vez, que, até 31 de Dezembro de 2015, a medida de recapitalização interna (bail-in) prevista no artigo 145.º-U do Regime Geral não pode ser aplicada a depósitos de particulares e PMEs garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos. A recapitalização interna não pode afectar estes depósitos, mesmo na parte excedente ao montante garantido de €100.000.

A Directiva de Recuperação e Resolução das Instituições de Crédito permite, no seu artigo 130.º, que o regime do bail in entre em vigor apenas em 1 de Janeiro de 2016.

Verifica-se assim que a Proposta de Lei adopta uma solução parcial pois, logo a partir de 2015, o bail in aplica-se a instrumentos financeiros e a depósitos de institucionais e/ou de empresas de maior dimensão, ainda que garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos.

Face à liberdade que a Directiva de Recuperação e Resolução das Instituições de Crédito concede aos Estados-Membros, parece-nos que a entrada em vigor do regime do bail in, pelo menos no que diz respeito aos depósitos restantes, também deveria ser adiada para 1 de Janeiro de 2016.

O artigo 153.º-H, n.º 1 do Projecto de alteração do RGICSF, constante da Proposta de Lei, suscita igualmente alguns comentários.

A actual redacção deste preceito estabelece que “as instituições participantes entregam ao Fundo, até ao último dia útil do mês de Abril, uma contribuição anual cujo valor é fixado em diploma próprio”.

O Projecto de alteração propõe a seguinte redacção: “as instituições participantes entregam ao Fundo contribuições periódicas a fixar pelo Banco de Portugal nos termos da legislação aplicável”.

Nos números seguintes do mesmo preceito refere-se o valor da contribuição periódica de cada instituição participante.

Para harmonizar a eventual divergência de redacção destas normas, propomos que o n.º 1 passe a ter a seguinte redacção: “cada instituição participante entrega ao Fundo uma contribuição periódica”.

Acresce que a nova redacção proposta para este preceito deixa de fixar o momento em que devem ser pagas as contribuições periódicas, diferentemente também do que consta da sua actual redacção e do que está previsto na norma equivalente para o Fundo de Garantia de Depósitos (artigo 161.º n.º 1 do RGICSF), o que naturalmente suscita dúvidas que deverão ser eliminadas.

Por último, o artigo 116.º-AA, n.º 6 dispõe que está proibida a instauração de procedimento disciplinar, civil ou criminal relativamente ao colaborador que participe a existência de irregularidades, excepto quando tal participação seja deliberada e manifestamente infundada.

A nosso ver, pode ser muito difícil e às vezes impossível, demonstrar que determinada participação foi “deliberada e manifestamente infundada”.

É que, se é certo que a posição do participante de irregularidades deve ser salvaguardada, também devem ser tuteladas a boa imagem e a reputação da instituição visada pela denúncia, sempre que se verifique que a mesma seja falsa ou infundada.

Neste sentido, sugerimos que se recorra antes ao estabelecido no n.º 2 do artigo 180.º do nosso Código Penal, nos termos do qual o crime de difamação “não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.”

Esta solução parece-nos a mais adequada, pois será mais fácil para o participante de irregularidades provar que a sua denúncia, apesar de falsa, foi feita de boa-fé, do que à instituição visada provar que a denúncia foi deliberadamente infundada.
Acresce ainda que existe extensa jurisprudência sobre o crime de difamação, o que poderá facilitar o processo de aplicação desta norma tanto pelos tribunais, como pelas entidades de supervisão e resolução competentes.

Exmos. Senhores Deputados,

O sector bancário europeu enfrenta um tsunami regulatório sem precedentes, cujos objectivos são o de assegurar a estabilidade financeira, fortalecer o sistema bancário para que este cumpra as suas missões, com relevo para o financiamento da economia, proteger os consumidores através do exercício de boas práticas bancárias, evitar eventuais necessidades de intervenção do Estado na resolução de crises em instituições bancárias, envolvendo dinheiros públicos e aumentar a confiança no sector e na sua governação.

Naturalmente, estamos em total sintonia com esses objectivos. Mas, na construção deste novo quadro para o sistema financeiro europeu, é fundamental ter em conta os impactos das medidas na economia, na sociedade e no sector.

O novo quadro regulatório e o novo sistema de supervisão em curso vêm obrigando a uma mudança radical na banca.

A sua complexidade e extensão são enormes e os custos de implementação muito elevados.

Os impactos destas alterações na economia e no sector bancário têm de ser sempre prévia e devidamente avaliados e periodicamente reavaliados.

Cada medida e o conjunto de medidas regulatórias em curso, devem ser devidamente calibrados e postos em prática em prazos e com períodos de transição adequados – as capacidades de absorção e de execução por parte dos bancos não podem deixar de ser ponderadas.

E, nas capacidades de absorção, influem as necessidades de competências e os custos, que nos merecem grande preocupação.

É que a rentabilidade dos bancos constitui, actualmente, a maior preocupação do nosso sistema bancário.

Afectada pelos efeitos da crise financeira e muito especialmente pela crise da dívida soberana e pela recessão económica, a banca vem atravessando um período já de três anos consecutivos de resultados agregados negativos.

Com a falta de procura do crédito que se vem registando e que limita os proveitos, com a pressão sobre a margem financeira, que continuará, com a persistência de uma taxa de incumprimento elevada, com o aumento da concorrência e com as restrições administrativas sobre as comissões legítimas cobradas na área dos pagamentos, a redução de custos é absolutamente essencial à recuperação da rendibilidade.

Esta equação torna-se complicadíssima quando surgem novos e pesadíssimos custos adicionais, como os que resultam das novas medidas e sistemas ditados pela regulação, com os “supervisory fees” e as contribuições para o Fundo de Resolução, que se juntam à contribuição especial extraordinária sobre o Sector Bancário.

Para além das desvantagens competitivas que o nosso sector bancário vem enfrentando, resultantes da crise da dívida soberana e da recessão económica, há que tomar em consideração os efeitos da medida de resolução que teve de ser aplicada ao BES, que representam custos para os restantes bancos.

Não conhecemos ainda a sua dimensão nem os eventuais impactos em termos de concorrência. E, naturalmente, damos como certo que o risco de litigância nunca poderá afectar os bancos, que não foram nem são envolvidos na decisão da medida de resolução.

Neste momento, o que mais importa é que a venda corra o melhor possível – a melhor forma de minimizar esses custos.

Em relação aos outros custos da crise do BES – os de imagem e reputação, que afectaram o sector e, mesmo, o país, é importante separar o trigo do joio, não fazendo pagar o justo pelo pecador, com generalizações injustas e prejudiciais ao próprio interesse colectivo.

Importa relevar o trabalho muito meritório que tem vindo a ser realizado pelos outros bancos, num contexto tão difícil como o que têm enfrentado, revelando uma resiliência e/ou uma capacidade de restruturação significativa e continuando a cumprir as suas missões fundamentais.

É por todas estas razões que, repito, é tão importante que o legislador tome em consideração a necessidade de calibragem e definição de períodos de transição na implementação de medidas, designadamente não antecipando a entrada em vigor de disposições que têm contemplados, no plano comunitário, prazos de implementação mais dilatados.

Ao terminar, gostaria de renovar o agradecimento pelo convite para esta Audição Parlamentar e expressar o desejo de que estes nossos comentários possam ser um contributo útil para a V. apreciação desta Proposta de Lei.

Fernando Faria de Oliveira
Presidente da Associação Portuguesa de Bancos