Todos sabemos que a Banca vem exercendo duas missões fundamentais:

1ª - a de intermediação: a primeira responsabilidade dos bancos é a de gerir bem os recursos, em particular os depósitos dos cientes, e de os   aplicar de forma eficiente no financiamento das famílias, das empresas, das instituições, ao serviço da economia, do crescimento e bem estar dos cidadãos. Os bancos canalizam as poupanças que agregam para quem tenha capacidade empreendedora e vontade de investir ou de consumir para melhorar a sua qualidade de vida;

2ª -  a função de disponibilização aos cidadãos e agentes económicos e institucionais dos sistemas de pagamentos, em condições de segurança, eficiência e confiança.

 

As notícias sobre a banca são muito mais frequentes no que respeita aos assuntos relacionados com a primeira destas missões.

De facto, questões como a concessão (ou a escassez) de crédito à economia e aos cidadãos, as taxas de juro do crédito (agora muito altas para o crédito novo mas, no passado, tão baixas que – dizem alguns – “terão estimulado” o endividamento), o crescimento dos depósitos que se vem registando em ambiente de austeridade, a complexidade de produtos financeiros postos à disposição dos cidadãos e das empresas, os lucros dos bancos antes da crise e os prejuízos registados recentemente, o funding e os níveis de capital das instituições bancárias, são matérias muito mais faladas e analisadas do que as mudanças que vêm ocorrendo nos sistemas de pagamento.

Esta manhã é dedicada aos Sistemas de Pagamento.

Vale a pena visitá-los, tanto no que respeita à sua evolução nas últimas décadas, como em relação às perspectivas, tendências e desafios que se perfilam para o futuro.

Deixo-vos, nesta introdução à Conferência, algumas meras 10 constatações.

  1. Portugal detém um dos sistemas de pagamento de retalho mais avançados, eficientes, funcionais e seguros na Europa e no Mundo. É um motivo de orgulho para a banca portuguesa.
  2. O exemplo da SIBS é reconhecido como um dos mais inovadores, completos e eficazes, tendo-se introduzido um sistema onde, todo o processamento para um conjunto de métodos de pagamento, é efectuado centralmente. O “Multibanco” é uma marca de grande prestígio.
  3. As ATM portuguesas encontram-se entre as mais operacionais e com maior número de funcionalidades e são, também, muito avançadas em termos de hardware.
  4. Portugal é o único país onde os bancos não podem, por lei, cobrar aos seus clientes pelos serviços prestados através de ATM (a Holanda é o outro Estado Membro da União Europeia que também não cobra por levantamentos de dinheiro em ATMs de outro “provider”, mas não por imposição legal). Os custos têm de ser repercutidos ou absorvidos de alguma outra forma.
  5. Os custos para o sistema bancário dos diferentes instrumentos de pagamento não cobrem os proveitos obtidos. O grau de cobertura é de 71,8%, de acordo com o último Relatório do Banco de Portugal sobre o assunto.
    Isto é, o sistema de pagamentos, no seu conjunto, tem sido responsável por prejuízos que, em 2009, ultrapassaram os 350 milhões de euros. Num momento em que a rentabilidade da banca está sob forte pressão (registaram-se prejuízos elevados para o conjunto da banca em 2011, 2012 e 2013, que estimamos poderem ocorrer ainda em 2014), é motivo de preocupação acrescida.
  6. Na óptica dos custos sociais (que correspondem aos custos dos recursos despendidos por todos os intervenientes – bancos, processadores, comerciantes e banco central – para disponibilizar e permitir a utilização dos diferentes instrumentos de pagamento), os custos unitários sociais de Portugal são inferiores à média europeia.
  7. Os sistemas de pagamento, tal como o sector bancário no seu conjunto, estão a viver enormes alterações, quer a nível regulatório, quer tecnológico, quer comportamental. O objectivo destas alterações é o de tornar os sistemas mais eficientes, mais competitivos, mais seguros e mais de encontro às necessidades dos utilizadores.
  8. No domínio da Regulação, nesta área dos Sistemas de Pagamentos, sobressaem desde logo três dossiers:

    -  A entrada em vigor, em 01/12/2014, do SEPASingle Euro Payment Area – Área Única de Pagamentos em Euros, devidamente enquadrado.
    -  Uma proposta de revisão da Directiva para o sistema de Pagamentos (PSD2). A primeira Directiva dos Serviços de Pagamento definiu o quadro legal para a criação de um mercado único para pagamentos na Europa.

    A Comissão publicou em Julho uma proposta de revisão (PSD2) que tem como um dos principais objectivos ajudar a desenvolver o mercado único dos pagamentos electrónicos, nomeadamente admitindo o acesso a contas de pagamentos aos TPP (Third Party Providers), designados por PIS (Payment Initiation Services).

    A EBF tomou posição sobre esta iniciativa, chamando em particular a atenção para que a proposta do PSD2 deverá ser emendada para garantir uma clara atribuição de responsabilidades e definições das partes envolvidas, incluindo requisitos de segurança, com adequada protecção dos consumidores contra riscos de fraude e/ou abuso na utilização de dados pessoais sensíveis, tais como roubo de identidade, utilização ilegal de credenciais ou hacking.

     Não é este o lugar nem o tempo de o suscitar, mas este e vários outros aspectos desta iniciativa da Comissão devem ser objecto de melhorias.

    -  Uma proposta da Comissão sobre a Regulação nas “Interchange Fees for Card-based Payment”, que foi objecto de forte objecções da banca europeia, veiculada pela FBE. São, de facto, várias as razões para contestar uma medida que atenta contra o normal funcionamento da economia de mercado – os preços dos serviços devem ser fixados pela via da contratação entre as partes e não por via administrativa.

    Apenas sublinho os seguintes pontos

    • É injustificada do ponto de vista da racionalidade económica e até do seu fundamento legal – não existe qualquer evidência de que a “limitação” das interchange fees conduza a um aumento do volume de transacções.
    • Derroga o princípio da subsidiariedade (facto particularmente relevante quando 93% das transacções com cartões se efectuam a nível nacional e não europeu).
    • É inoportuna, num momento em que a União Bancária se encontra fragmentada, os sistemas bancários da periferia marginalizados e em condições concorrenciais particularmente desfavoráveis perante um mercado interno fortemente desnivelado - pôr em prática esta regulação antes de estar concluída a UB e do mercado bancário europeu estar nivelado será altamente desfavorável para a economia portuguesa e a dos países periféricos
    • Põem em causa a capacidade de investimento em inovação por parte dos operadores
    • Obrigará os bancos a repercutir os custos inerentes na economia (empresas e consumidores), o que é inevitável, em particular num momento em que a pressão sobre a rentabilidade da banca é muito elevada
    • Não existe também nenhum caso que demonstre que uma tal medida beneficia os consumidores – pelo contrário, as experiências conhecidas demonstram que estes acabam por sair penalizados.

 

Permitam-me um parêntesis:

De facto, em relação a todas as iniciativas regulatórias, quaisquer que sejam, é importante reflectir e avaliar o impacto das imensas medidas regulatórias em curso (traduzidas em Directivas, Regulamentos, Deliberações, Leis, etc.), concebidas para gerar benefícios a curto, mas sobretudo a médio e longo prazos, nomeadamente os efeitos sobre a economia e sobre a capacidade dos bancos de a financiar em condições

de preço não gravosas. Há que ser coerente e consistente com os objectivos principais que  se  visam – promover o  crescimento,  o emprego  e  o  bem  estar  dos  cidadãos,

assegurando o seu financiamento em termos razoáveis, para o que é necessário um sistema bancário estável e forte.

Assim, todas as medidas devem ser previamente avaliadas nos seus impactos, nos seus custos e ser devidamente calibradas, tomando em conta o seu custo/benefício e as repercussões na economia. O crédito bancário é a sua maior componente, na Europa representa mais de 75% do financiamento das empresas.

Como todos sabemos, os bancos desempenham um papel insubstituível no financiamento da economia.

Para promover o crescimento e o desenvolvimento económico e social é indispensável um sistema bancário forte, moderno, operacional e confiável, o que, em síntese, se traduz por:

  • bancos bem capitalizados, com bons níveis de solvência e balanços que reflictam com rigor a sua realidade patrimonial e que tenham adequada rentabilidade
  • modelos de negócio claros e ajustados aos contextos e às necessidades
  • capacidade de inovação e tecnologia avançada
  • boa governação
  • um sistema de pagamentos eficiente, seguro e fiável
  • uma relação amigável com os clientes, através de boas práticas, de transparência, de grande sentido ético, a par da prestação de serviços de qualidade
  • uma comunicação, interna e externa, que contribua para o reforço da confiança nas instituições bancárias.

 

Como Jacques de Larosière, uma das grandes figuras da banca europeia,  expressou numa recente intervenção:

“É evidente que desde 2011, os bancos da Eurozone aumentaram o seu capital, mas também realizaram uma redução sensível dos seus activos, para poderem obedecer aos rácios de capital de Basileia III. A desalavancagem que ocorreu não resultou apenas da diminuição da procura, mas também das imposições regulatórias (…)

“Vivemos num paradoxo.Por um lado, os bancos centrais estão a criar liquidez abundante mas, por outro lado, está-se a dificultar o crédito bancário com uma regulação excessiva”.

Isto dito para salientar que a calibragem das medidas e os calendários e períodos de transição para a sua implementação deviam salvaguardar os diferentes impactos e  implicações.

“Demasiada regulação e demasiada complexidade dessa regulação, ainda que individualmente bem intencionadas, podem conduzir a indesejadas consequências, especialmente se não forem estabelecidas com uma visão coerente. Ausente tal visão, demasiada regulação pode conduzir, como vemos hoje, a consequências pró-cíclicas negativas para a economia real”. (fim de citação)

 

Mas, voltemos às minhas dez constatações:

9. No campo da tecnologia, as mudanças são notáveis, com impactos enormes na área que nos ocupa, abrangendo métodos e serviços, meios     e canais de pagamentos.

Em particular, no seguimento dos enormes avanços já concretizados, a revolução digital aplica-se também na banca, onde, a par dos desenvolvimentos e aplicações por esta produzidos ou adoptados, surge uma concorrência nova, lançada por novos operadores (TPP ou attackers), que vão entrando em toda a cadeia de valor de pagamentos.

Os bancos, como sempre fizeram, irão aproveitar os benefícios da revolução digital, nomeadamente a nível de processos e de adaptações da sua proposta de valor – focando-se também na oferta de serviços digitais. Esta será a melhor resposta à competição gerada pelos novos players, que terá como vantagem incontestável a segurança que o seu passado atesta, bem como a sua experiência na gestão de risco e, em especial, na confiança que transitem aos utilizadores.

10. Na esfera comportamental, é de salientar o trabalho intenso que tem cindo a ser realizado pelas entidades reguladoras e legisladoras e pelos próprios bancos, visando assegurar a transparência e a ética na banca (nomeadamente divulgando informação pertinente sobre a sua actividade), proteger os consumidores  (com  desenvolvimentos  no  que  respeita  às  acções sobre medidas restritivas e limitativas,  informação clara e apropriada sobre comissões e taxas aplicadas,  permitindo uma adequada comparabilidade), e reforçar a educação financeira.

Por seu lado, os próprios bancos vêm produzindo e aplicando Códigos de Boas Práticas, que contribuem para reforçar a confiança dos seus clientes.

Procuraremos, durante esta conferência, cobrir alguns dos temas mais relevantes relacionados com o Sistema de Pagamentos Português.

Vou dar a palavra aos “experts”, a quem agradeço, em nome da APB e dos bancos seus associados, terem aceite partilhar connosco os seus conhecimentos.

 

Fernando Faria de Oliveira,
Presidente da Associação Portuguesa de Bancos
Lisboa, 4 de Novembro de 2013