TRIBUTAÇÃO DAS TRANSACÇÕES FINANCEIRAS: MOTIVAÇÕES, IMPACTOS E PROPOSTAS 

Creio que não me enganarei muito se admitir que, na base da criação do Imposto sobre Transacções Financeiras, terá estado o sentimento de que a Banca foi um dos responsáveis no despoletar da crise económica e na sua configuração e que deverá ser “punida” por forma a desempenhar um papel na ultrapassagem da crise. Existirá também um preconceito (falso) de que o sector financeiro é menos taxado do que os outros sectores.

Os factos demonstram que algumas crises são originadas por outras áreas, como as bolhas imobiliária (resultantes da procura de investidores por activos mais tangíveis) e tecnológica, do início do séc. XXI, bem como do preço das matérias primas (petróleo).

Mas há que reconhecer que se registaram excessos na avaliação do risco e, principalmente, no domínio financeiro especulativo, como, por exemplo, a proliferação de activos tóxicos resultantes do crédito sub-prime e da securitização e colateralizações e outras operações com vista a melhorar as notações de risco, bem como o lançamento de produtos financeiros excessivamente complexos, de elevado risco.

No entanto, a grande maioria dos bancos não esteve envolvida nestas aventuras especulativas, não sendo correcto proceder a generalizações.

É o caso concreto dos bancos portugueses, muito pouco expostos a activos tóxicos.

Uma iniciativa fiscal desta natureza deve ser avaliada na globalidade dos seus impactos, positivos e negativos.

Os aspectos que se poderão entender como positivos são:

- Uma receita fiscal relevante, através de um contributo substancial do sector financeiro para as receitas públicas, estimado entre 30 e 35 mil milhões de euros. A tributação adicional para o sector financeiro evitará que os custos relativos a este sejam suportados pela generalidade dos contribuintes;

- O reforço do mercado único, reduzindo o número de abordagens nacionais divergentes em matéria da tributação das transacções financeiras;

- Desincentivar comportamentos especulativos e orientar o sector financeiro para o apoio à economia real.

Os inconvenientes são, no entanto, muito grandes:

- O Imposto sobre Transacções Financeiras aplicar-se-á apenas no âmbito de uma cooperação reforçada, a 11 dos 17 membros do Eurosistema e 27 Estados Membros da União Europeia, criando condições competitivas desvantajosas aos respectivos sistemas financeiros dentro da UE e a nível global, isto é o sector financeiro do Eurosistema fica colocado em desvantagem comparativamente ao resto do mundo. Pergunto: Como se pode compreender que se procure aperfeiçoar e introduzir mecanismos que contribuam para a integração financeira europeia e que partem do princípio de que se deve obter um level playing field para os operadores do sector financeiro e, ao mesmo tempo, se introduza um novo imposto, a vigorar apenas em alguns Estados Membros, de que resultarão desvantagens competitivas e elevados riscos de transferência de actividades e proveitos para os que não o aplicam?

- Deslocalização de certas actividades para outras praças financeiras não sujeitas a Imposto sobre Transacções Financeiras – risco de fuga de capitais (ex.: Londres, Luxemburgo, Holanda, Suécia, etc);

- Uma redução do volume de transacções, o que implica menos liquidez dos mercados financeiros, desencorajando a procura dos produtos por consumidores dos mesmos;

- O preço das acções será afectado;

- Além disso, a totalidade do imposto poderá ser transferido para os investidores pelos intermediários;

- O Imposto sobre Transacções Financeiras não aborda a questão do risco sistémico das grandes instituições financeiras.

Relevo o impacto económico, que será substancial.

A avaliação do impacto da Comissão Europeia coloca as perdas do produto em 0,53% do PIB e apurou um efeito negativo sobre o emprego de 0,2%.

EM RELAÇÃO ÀS PME:

O Imposto sobre Transacções Financeiras criará um custo adicional para as empresas, em especial as PME e para os consumidores que investem em instrumentos de capital.

Os custos de transacção aumentarão, reduzindo deste modo as oportunidades de financiamento.

 

EFEITOS NA BOLSA

A competição entre Bolsas é saudável e dinâmica, não se devendo colocar as Bolsas dos países da cooperação reforçada em desvantagem.

Suécia

Após a adopção de um Imposto sobre Transacções Financeiras pela Suécia em 1984, cerca de metade dos mercados de acções deslocou-se para Londres.

Quando a taxa foi aplicada às obrigações em 1989, o volume de transacções caiu em 85% face à média dos dois anos anteriores.

Em 1991 a Suécia cancelou o Imposto sobre Transacções Financeiras.

Japão

Em 1999 o Japão também abandonou a sua experiência falhada.

França

A França tomou a iniciativa de implementar, a título individual, um Imposto sobre Transacções Financeiras.

Um dos principais problemas do imposto francês decorre da sua natureza extraterritorial, pois o imposto é pago independentemente do local onde a transacção é realizada. Deste modo, qualquer entidade que pretenda adquirir instrumentos financeiros emitidos por entidades francesas tem de pagar, mesmo que não haja outro elemento de conexão com o território francês.

Desde 1 de Agosto, data em que o imposto francês entrou em vigor, assistiu-se a uma redução de liquidez no respectivo mercado, traduzida numa diminuição do número de transacções sobre alguns instrumentos financeiros franceses da ordem dos 18% e correlato aumento de 16% no investimento em instrumentos financeiros semelhantes emitidos por entidades não-francesas.

Isto é, a implementação de um imposto deste tipo fomenta o risco de fuga de capitais para fora do país, risco esse que igualmente existirá no caso de o imposto ser apenas adoptado por alguns países e não por todos os Estados Membros.

No caso concreto do nosso País, é reconhecido que a questão fulcral é a da passagem da recessão para o crescimento económico, o que requer investimento e, a curto prazo, a optimização do aparelho produtivo existente.

Ora este está muito dependente do financiamento da economia.

Uma das razões porque muitas empresas têm dificuldade de acesso ao crédito está na sua deficiente capitalização e nível de autonomia financeira.

O mercado de capitais desempenha papel relevante no financiamento das empresas.

Deve haver coerência e consistência nas medidas da política que estimulam o investimento. Não podemos viver em contradição. O que é mais prioritário: obter uma receita fiscal adicional (e será destinada ao Estado Membro?) com custos para o crescimento económico, ou adoptar uma política fiscal que contribua para a atractividade do investimento?

Por outro lado, a proposta de Directiva original não levava em linha de conta os elevados custos suportados pelo sector bancário, que no âmbito fiscal, quer no âmbito do reforço regulatório prudencial e comportamental, nem a evolução da economia e do sector. E o maior problema do sector bancário neste momento é a pressão sobre a rentabilidade.

Fernando Faria de Oliveira

Presidente da Associação Portuguesa de Bancos

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2013