PORTUGAL E O CAMINHO PARA O FUTURO: A BANCA E O SEU PAPEL 

O futuro de Portugal passa definitivamente pelo desempenho colectivo e individual dos seus cidadãos e exige enorme rigor, lucidez, talento e espírito de sacrifício, para encontrar as saídas mais céleres e eficazes para os graves problemas que enfrentamos.

É certo, no entanto, que desde que integrámos a União Europeia, as soluções não são só nacionais, são também europeias e do próprio interesse da União e dos outros Estados Membros.

Proceder à exigente, mas indispensável, consolidação orçamental e evitar uma espiral recessiva, estimulando o crescimento económico é a grande questão.

A aplicação dos modelos de Programas de Ajustamento Económico e Financeiro a um Estado Membro da União Europeia e, ainda mais, da União Económica e Monetária, deveria, a meu ver, como factor diferenciador, ser devidamente complementada com um pacote extraordinário de medidas de estímulo ao investimento e à recapitalização das empresas, ao crescimento económico e ao emprego, próprio de uma União que tem como pilares fundacionais a coesão, a convergência e a solidariedade. É que é bem sabido que a austeridade, a recessão, intensificam a divergência e podem pôr em causa a coesão. O exercício de solidariedade é, então, mais necessário.

Apresentação – Portugal e o Caminho para o Futuro: A Banca e o seu Papel

O CONTEXTO EUROPEU

Slide 3: Growth estimates: a slow path for Europe

Como disse recentemente o Comissário Michel Barnier, cinco anos depois do início da crise financeira nos EUA (sub-prime), a situação na Europa mantem-se frágil: a União Europeia deverá conhecer uma recessão em 2012, uma queda do produto estimada em – 0,4% e a retoma, progressiva, será pouco expressiva em 2013 (+ 0,4%).

A taxa de desemprego na Europa atingiu 11,6%.

Slide 4: European issues

A crise actual que se vive na Europa segue-se à intensa crise financeira 2008-2009 e foi influenciada pelos excessivos défices e dívidas de muitos países, por graves crises no sistema financeiro de alguns e por taxas de poupança insuficientes. É muito mais intensa nos países da periferia (que acumularam problemas de excessivo endividamento, público e privado, provocado pelo “dinheiro fácil e barato” que resultou da sua presença na Zona Euro, com as medidas para apoiar a economia derivadas da crise financeira internacional).

Mas esta crise europeia e, designadamente, nos países da periferia não é só uma crise da dívida soberana, tem também origem em modelos de crescimento desajustados, na perda de competitividade e no baixo crescimento económico.

Slide 5: The process of deindustrialization in Europe affected mainly the periphery countries.

De facto, os países que aprofundaram mais a integração e seguiram modelos de crescimento centrado na economia real e nos bens transacionáveis foram capazes de obter relevantes ganhos de eficiência e muitos Estados Membros prosseguem trajectórias de sucesso evidente. De tal modo que, no seu conjunto, a União Europeia mantem a sua força!

Os países mais afectados pela perda de competitividade, o sobre-endividamento, e a crise da dívida soberana, tiveram de adoptar duras medidas de consolidação orçamental, medidas de austeridade com pesadas consequências para as pessoas e indutoras de acentuada diminuição da procura interna e de recessão.

Dado o seu peso no comércio internacional e o facto de 40% das reservas cambiais serem denominadas em Euros, a crise da Europa não pode deixar de afectar o resto do Mundo. O Euro é a 2ª moeda de referência no Sistema Monetário Internacional. E o Euro mantém-se forte, apesar da crise da dívida soberana.

Face a esta crise, a União Europeia tem vindo a tomar medidas no sentido de assegurar a estabilidade e a irreversibilidade do Euro, outras com vista ao saneamento das finanças públicas, e tem em marcha iniciativas de reformas económicas indispensáveis para retomar a trajectória de crescimento.

É bem evidente que a União Europeia tem necessidade de mais integração económica, financeira e fiscal. Mas tem sido muito mais lenta do que o necessário no seu processo de decisão, sem dúvida complexo, difícil e moroso. 

Os interesses em jogo não são muitas vezes coincidentes, nem do ponto de vista político, nem do empresarial, sendo certo que haverá sempre países doadores e países receptores, credores e devedores, e que a legitimidade democrática é um factor determinante.

O Conselho Europeu procurou dar uma resposta global aos problemas, incidindo em três pontos:

  • iniciativas a favor de uma integração fiscal (orçamental) europeia;
  • uma política europeia de crescimento e emprego;
  • uma regulação financeira forte e coerente.

Vou concentrar-me nos dois últimos aspectos:

Slide 6: European Union policy and budget

Em relação ao vector crescimento, criação de emprego e reforço da competitividade, a União Europeia tem de:

  • reforçar a coordenação das políticas económicas dos Estados Membros, promovendo mais integração económica;
  • definir uma agenda da competitividade ajustada aos tempos actuais de globalização;
  • estimular o investimento e a inovação;
  • aprovar um orçamento comunitário que dê resposta a estes desideratos.

O objectivo da integração económica traduz-se, a nível das empresas, em as tornar cada vez mais europeias, i.e., em obter ganhos de eficiência, localizando os diversos segmentos da cadeia de valor onde é mais competitivo fazê-lo, distribuindo a sua actividade pela Europa toda. De facto, a grande vantagem da União Europeia, a sua grande força, está na existência de diversificadas competências, custos, capacidade de organização, devendo tirar-se todo o partido das alternativas de localização de cada elemento da cadeia de valor, optando por aquelas onde se é mais eficaz e competitivo. Este aspecto é de enorme importância para Portugal, que o pode aproveitar, porque tem várias vantagens competitivas, mas também para todos os outros Estados Membros, pois está longe de ser explorado.

No que respeita à integração financeira, começo por recordar o enorme impacto no sistema bancário europeu da crise sub-prime, dos activos tóxicos e da crise da dívida soberana.

O financiamento externo, que alimentou o estímulo à despesa, foi canalizado pelo sistema bancário de cada Estado Membro, que se endividou no exterior para fazer face às necessidades dos seus clientes.

Slide 7: State support to banks during the financial crisis 2008-2010

Os activos tóxicos que muitos bancos então acumularam, acrescidos da concessão de crédito de má qualidade (quando orientado para projectos sem rentabilidade), conduziram à necessidade de apoios estatais sem precedentes a vários bancos da União Europeia e a implementar fortes medidas de reforço da regulação e supervisão bancária, para tornar o sistema financeiro mais estável e reduzir os riscos.

Note-se que os bancos portugueses foram dos mais resilientes e dos que menos apoios públicos requereram no conjunto da União Europeia durante a crise 2008-2010: não utilizaram qualquer facilidade para aumentar o capital dos bancos e o recurso às garantias do Estado foi dos mais baixos na Zona Euro (3% do PIB).

Slide 8: Core vs. periphery countries: competitive disadvantages

Entretanto, a crise financeira colocou um travão ao processo de integração financeira na Europa e existem, com o acentuar da crise da dívida soberana, riscos de uma fragmentação adicional.

Repare-se na importância da integração financeira para o crescimento económico: as taxas de juro aplicadas pelos bancos diminuíram, em média na Europa, cerca de 70% quando comparadas com as vigentes em 1990! Ora, embora seja difícil de quantificar, as baixas taxas de juro cobradas às empresas contribuíram para o aumento do investimento, do emprego e do crescimento, beneficiando todos os agentes económicos europeus.

Numa União Monetária é suposto existirem condições monetárias homogéneas, uniformes em todos os membros. Mas a realidade mostra que a União Monetária está actualmente fragmentada e cada Estado Membro está sujeito a condições monetárias particulares – liquidez, taxas de juro, condições de crédito – bastante mais gravosas nos países mais afectados pela crise da dívida soberana. Por exemplo, a taxa de juros cobrada às empresas em Portugal é muito superior à equivalente na Alemanha.

Slide 9: Borrowing from the ECB

Há diferenças crescentes nos custos de financiamento “wholesale” e nas taxas de juro do retalho entre os Estados Membros.

A crise financeira veio trazer ao de cima as insuficiências existentes no funcionamento da União Económica e Monetária e multiplicam-se as iniciativas políticas, legislativas, regulamentares e estruturais para tentar corrigir o que impede o bom funcionamento e os objectivos que ditaram a criação da União Monetária. A União Bancária, a separação ente risco soberano e risco bancário, a União Fiscal, uma coordenação efectiva da Política Económica e um Banco Central “lender of last resort” são fundamentais para normalizar a situação, a par de numerosas iniciativas para reforçar a solidez do sistema financeiro e a sua supervisão prudencial e comportamental.

II

SITUAÇÃO EM PORTUGAL

Slide 10: Budget deficit: commitment to fiscal consolidation

Como todos sabemos, Portugal está a realizar o seu Programa de Ajustamento Económico e Financeiro que tem quatro vertentes fundamentais – a consolidação orçamental e o reequilíbrio das finanças públicas, as reformas estruturais e o fortalecimento do sistema financeiro, por forma a assegurar o financiamento da economia. 

A promoção do crescimento económico também consta dos objectivos previstos no PAEF.

De um modo muito sintético, podemos dizer que temos vivido condicionados pelo processo de consolidação orçamental e, em particular na fase inicial do programa, pela desalavancagem do sector bancário e das empresas, mas que deveríamos procurar acelerar a passagem da inevitável recessão para o crescimento da economia, com estímulos específicos.

Acaba de se concretizar a sexta avaliação da execução do Programa, pelas equipas da União Europeia (Comissão e BCE) e do FMI.

Saliento alguns passos da Declaração Conjunta:

“O programa continua, em geral, no bom caminho, apesar do aumento dos ventos contrários. Tendo já sido alcançados muitos progressos, é necessário manter a perseverança e um forte empenhamento no momento em que se inicia a segunda metade do programa. O ajustamento externo e orçamental continua a progredir, os riscos para a estabilidade financeira foram reduzidos graças a amortecedores de capital e liquidez adequados e as reformas estruturais prosseguem a bom ritmo. Simultaneamente, o aumento do desemprego, a redução dos rendimentos e a incerteza estão a afectar desfavoravelmente a confiança, enquanto a recessão na zona euro começa a reflectir-se na dinâmica das exportações.  

Embora os riscos para o crescimento sejam significativos, o quadro macroeconómico do programa continua a ser adequado. (…)

Após uma descida de 3% em 2012, prevê-se uma redução de 1% do PIB real em 2013. (…)

Os esforços de consolidação orçamental estão em consonância com as metas orçamentais revistas para 2012 e 2013. (…)

Foram prosseguidos os esforços de melhoria das condições de financiamento para as empresas viáveis, (…) enquanto a desalavancagem no sistema bancário prossegue a bom ritmo. (…)

Promover uma economia mais competitiva continua a ser um imperativo. (…)

Em termos globais, a avaliação confirma que estão a ser feitos sólidos progressos. A existência de um amplo consenso político e social continua a ser um elemento importante para o êxito do programa.”

Esta declaração está em linha com os importantes ganhos de imagem no exterior, tanto nos centros políticos como na percepção dos mercados, pois são inegáveis os progressos alcançados na consolidação orçamental (nomeadamente na redução do saldo primário e da despesa pública, do saldo da balança de pagamentos, baseada no excelente desempenho das exportações e das remessas de emigrantes), em algumas reformas estruturais e na estabilidade do sistema financeiro, bem como pelo re-acesso de várias empresas e de dois bancos, o BES, primeiro, e a CGD, depois, aos mercados obrigacionistas.

No entanto, internamente, o clima social é, em geral, de grande apreensão e desconforto.
Como sempre se admitiu, à medida que se fizessem sentir os efeitos das medidas de austeridade nas pessoas, era natural que o ambiente se carregasse. É o que se denomina de "fadiga do ajustamento".

As recentes medidas adicionais de austeridade, previstas no OE/2013, incidindo especialmente num forte aumento da carga fiscal e ainda não tanto na redução da despesa pública, e as perspectivas negativas sobre o crescimento económico aumentaram o nível de preocupação.

Todos sabemos que vivemos tempos extraordinariamente difíceis e complexos, marcados pela necessidade de se alterar o “modo de vida”. Todos somos chamados a colaborar na resposta aos graves problemas que enfrentamos, tendo as elites uma responsabilidade ainda maior, pela sua melhor preparação, capacidade de compreender a dimensão das questões e de ajudar na sua superação e na mobilização de todos para esta tão complicada tarefa.

Mais do que noutras situações de crise por que passámos, é exigida muita lucidez, clarividência, bom senso, realismo e criatividade, a par de uma chamada exigente da inteligência emocional, mais orientada para a devolução da esperança do que para a criação de um clima de desesperança ou de revolta, alimentado muitas vezes pela pura contestação e especulação, sem qualquer argumento ou proposta credível de soluções alternativas viáveis.

Não se podem ignorar as graves situações de muitos portugueses e os sacrifícios que estão a fazer, o estado de preocupação de muitos outros pelo seu futuro, o que acentua ainda mais este dever das instituições nacionais de servir os cidadãos e o nosso País. E tal começa na obrigação de prestar informação rigorosa, compreensiva, prestada atempadamente, como a única forma de esclarecer e evitar especulações destrutivas e absolutamente irrealistas.

Não vislumbro nenhuma alternativa mais favorável para Portugal de que promover o crescimento económico a par da execução de um programa de ajustamento, envolvendo a consolidação orçamental e, portanto, austeridade, e a restauração da competitividade para acelerar a passagem para o crescimento e o emprego. O País necessita, sem dúvida, de financiamento institucional que nos proporcione o tempo necessário para regressar aos mercados.

A saída do Euro teria custos insuportáveis, muito mais intensos do que a execução do PAEF, e afastava-nos de uma qualquer trajectória que nos permitisse voltar a convergir num período razoável.

Solicitar uma reestruturação da dívida, com hair cuts mais ou menos elevados, provocaria uma penalização séria de activos e afastar-nos-ia dos mercados porventura por décadas e constituiria um revés grande e com elevados custos para a Área Euro.

Romper com compromissos internacionais assumidos, ou seja, não cumprir, seria não só uma desonra e uma vergonha como nos penalizaria durante décadas da utilização normal dos mercados. Está fora de causa.

Resta-nos, portanto, executar o Programa de Ajustamento Económico e Financeiro, procurando obter, na medida do possível, graus de flexibilidade e de ajustamentos e/ou complementos aos Acordos atuais. Como aliás aconteceu já no decurso da sua execução.

A execução do OE/2013, cujo cenário macroeconómico de base pode, como foi reconhecido, ser optimista, fazendo incidir o ajustamento na carga fiscal (que pode estar a atingir o limite social e economicamente comportável pelas famílias e empresas e cuja sustentabilidade suscita interrogações, como parece demonstrar o já mau desempenho das receitas fiscais), é muito difícil e de risco.

Mas que alternativas haveria?

A consolidação orçamental pode fazer-se pelo lado do corte da despesa pública e pelo lado do aumento da receita, normal e extraordinária.

O total da despesa pública compreende a despesa corrente primária, a despesa de capital e os juros.

A despesa corrente primária está muito concentrada em despesas de pessoal em quatro grandes áreas: Segurança Social, Saúde, Educação, e o conjunto que designa de segurança, constituído por Defesa, Polícia e Justiça.

Qualquer actuação nestes domínios será acompanhada de contestação e protestos, de que se está a pôr em causa o Estado Social, mas a verdade é que não há soluções milagrosas, há que ser realista e lúcido. Serão preferíveis soluções desta natureza, configurando de certo modo o modelo do utilizador/pagador, ou carregar na carga fiscal?

O projecto denominado Refundação, compreendendo a redução da despesa pública e a aceleração das reformas estruturais, com foco na Administração Pública, se peca por alguma coisa é pelo facto de talvez dever ter sido iniciado mais cedo…

Há a outra componente na despesa pública total, onde a margem de actuação dependerá fundamentalmente da disponibilidade da União Europeia, do FMI e dos investidores, e que tem a ver com os prazos dos financiamentos e os juros que, contrariamente ao desejável, os juros aumentarão. Só a renegociação das condições, nomeadamente, do alargamento do prazo dos financiamentos e a eventual possibilidade de acelerar o processo que contemplará a mutualização da dívida soberana no seio da União Europeia, bem como um bom comportamento nos mercados secundários, permitiriam uma redução destas despesas.

Uma observação muito relevante surge quando se faz referência a uma outra ideia que tem sido veiculada: a necessidade de mais tempo para atingir as metas da consolidação orçamental. É que o financiamento externo é a restrição activa que condiciona a formulação da política económica.

“Qualquer adiamento do ajustamento implica novas necessidades de financiamento (que não estão asseguradas) e um agravamento do problema da insustentabilidade da dívida pública, com consequente perda adicional de credibilidade.”

Quando muitos falam na vantagem de abrandar e alargar o período da consolidação orçamental, invocando o enorme esforço dos contribuintes e o risco de uma espiral negativa entre consolidação orçamental e recessão, e/ou de solicitar mais financiamento para cobrir necessidades não contempladas, ter-se-á de avaliar devidamente os seus efeitos.

Há um outro factor diferenciador que, a nível internacional, tem sido apreciado e enfatizado pelos mercados e cuja importância importa salientar.

Na realidade, a execução do rigoroso e duro programa de austeridade, exigindo fortes sacrifícios aos cidadãos, tem estado a ser feita num ambiente onde prevalecia:

  • a consciência cívica de que o País necessitava de ajuda externa, que ia cumprir os seus compromissos, que o empobrecimento temporário era inevitável;
  • uma coesão e paz social, que naturais manifestações de descontentamento, apreensão e protesto não punham em causa, revelando os portugueses um elevado sentido de responsabilidade plasmado na celebração de um acordo de concertação social, em vigor;
  • um consenso e um compromisso político entre a coligação no poder e o Partido Socialista, na oposição, para a execução do Programa de Assistência, negociado e assinado enquanto este partido era responsável pelo Governo.

Considero imprescindível, uma quase exigência da sociedade civil, que se intensificasse este diálogo entre a coligação governamental e o PS, para se acordarem os termos do denominado Projecto Refundação (reforma do Sector Público), porque ele é incontornável. É necessária abertura, é fundamental o compromisso, um Acordo, um Pacto, que nos permita obter os melhores e mais consensuais resultados. Não é aceitável dizer não a tudo, quando se está em estado de necessidade vital. E uma crise política não é, neste tão grave contexto por que passamos, admissível, pelos danos que pode acarretar.

Slide 11: Challenges for the Portuguese recovery

No entanto, a questão central da crise que o nosso país atravessa é a do crescimento económico. Por si próprio e também porque o PIB é o denominador de todos os rácios: quanto mais crescer, menos reforço requer nas actuações sobre o numerador; quanto mais diminuir, mais esforços e medidas obriga às funções representadas no numerador. A trajectória do rácio da dívida pública é decisivamente influenciada pelo crescimento económico.

É sabido que austeridade e crescimento são pouco conciliáveis. Assim, numa primeira fase de um processo de ajustamento, a recessão e o empobrecimento são inevitáveis. Durante esta fase, é comum haver transferência significativa de activos para outros stakeholders e, em muitos casos, perda de centros de decisão e perda significativa de riqueza.

A passagem da recessão para o crescimento económico é potenciada pelas reformas estruturais entretanto realizadas com a finalidade de diminuir os custos de contexto e de gerar ganhos de competitividade apreciáveis, que incluem também a diminuição dos custos com pessoal, a melhoria da eficiência e o impacto da inovação. Mas as reformas estruturais têm resultados a prazo.

A questão fulcral do nosso País é a de como acelerar a criação de riqueza que permite passar para um crescimento sustentável. É que, repito, o crescimento do PIB é fundamental para atingir o reequilíbrio das finanças públicas e para criar emprego, aumentar os proveitos dos cidadãos e das empresas, impulsionar o consumo e a poupança.

Slide 12: Ease of doing business rank for small and medium enterprises - I

O que é que determina o crescimento económico? Não só o capital e o trabalho. O crescimento requer conhecimento (um sistema nacional de conhecimento compreendendo educação, inovação, I&D e formação), requer um quadro institucional favorável (baseado em valores, em relações de confiança, num capital social aberto ao diálogo sobre as regras que presidem à actividade económica) e, muito em especial, capacidade empresarial e empreendedorismo, em parte estimulado por um contexto favorável. 

Sabe-se que o crescimento económico é o fim último dos programas, mas pressupõe-se que são as reformas estruturais e as medidas correctivas que permitem melhorar a competitividade das economias. Mas, verdadeiramente essencial, é o investimento.

Slide 13: Ease of doing business rank for small and medium enterprises - II

Ora, a situação dos países com programas de ajustamento comporta desvantagens competitivas muito intensas em relação aos outros Estados membros: mercados financeiros e de capitais restringidos, cargas fiscais mais gravosas, exiguidade de capital, mercados internos deprimidos. Tudo isto tende a criar um quadro pouco atractivo para o investimento.

Tenho defendido, por isso, que se justificaria plenamente a criação de um Programa Extraordinário e Temporário de Apoio ao crescimento e ao emprego, utilizando eventualmente fundos de coesão, fundos estruturais, “project bonds”, financiamento do BEI, com a finalidade de apoiar o financiamento das empresas, através da flexibilização das normas de aplicação dos fundos.

Sabemos já quão difícil está a ser a discussão sobre as Perspectivas Financeiras e o Orçamento da Comissão 2014-2020, com vários Estados Membros a alegar problemas internos e a procurar restringir o seu esforço. Também sabemos que a distribuição do “bolo” cobre agora muitos mais Estados Membros, pelo que a repartição será mais difícil. Mas faria todo o sentido a criação de um tal mecanismo, que complementaria os modelos de ajustamento geralmente seguidos num qualquer país não pertencente a uma União Económica e Monetária.

Por outro lado, a nossa agenda para o crescimento constitui uma necessidade premente, e registo com satisfação as medidas anunciadas pelo Ministro da Economia, visando o investimento, o crescimento e o emprego.

Apesar das dificuldades da conjuntura, o nosso País progrediu notavelmente nos últimos 20 anos. Temos hoje uma capacidade científica, tecnológica e de gestão muito superior, uma força de trabalho muito mais qualificada, infraestruturas excelentes, vários casos de franco sucesso no domínio da inovação e da tecnologia. Os nossos empresários têm sabido reagir e dar uma excelente resposta às adversidades, virando-se cada vez mais para os mercados externos. A banca portuguesa tem um benchmark muito favorável, estando penalizada pelo rating da República.

Conviria encontrar solução para as desvantagens competitivas que a crise desencadeou, procurando eliminar contradições evidentes. Por exemplo, adoptando um quadro, porventura contratual, de benefícios fiscais para atrair investimentos e para a criação de emprego.

É fundamental atrair investimento, estrangeiro e nacional, aproveitando a melhoria da competitividade que resulta das reformas estruturais, com efeito a médio e longo prazo, das melhorias da eficiência introduzidas nas empresas e da desvalorização da taxa de câmbio real, a curto prazo.

Repare-se que, pertencendo à Zona Euro, não dispomos de margem de manobra no que respeita à taxa de câmbio nominal, mas tem-se produzido uma desvalorização interna através da redução salarial, do aumento dos impostos sobre o consumo (não, ainda, como se poderia utilizar, da redução de encargos fiscais sobre o trabalho).

Slide 14: Exports as a source of growth

Ainda sobre o crescimento, acrescentarei apenas que, como é consensual, uma estratégia de crescimento para a economia portuguesa se tem de centrar no sector transaccionável da economia, nas exportações em amplo sentido. O excelente comportamento do sector exportador de bens e serviços permitiu passar de 30% do PIB em 2010 para perto dos 35% este ano. Mas em países semelhantes ao nosso, as exportações representam valores quase sempre superiores a 50%.

Slide 15: Diversification of markets

O Estado, a quem compete um papel catalisador de uma transformação estrutural, deverá principalmente promover o enquadramento institucional e condições macroeconómicas favoráveis ao investimento.

Mas em momentos de crise como o que vivemos, é fundamental haver um desígnio estratégico mobilizador.

Continuo a crer na indispensabilidade de um pensamento estratégico. Deixar simplesmente aos mercados a determinação do futuro não parece avisado. Nem os EUA, nem a Alemanha o fizeram. A ideia que preconizo desde o início da década de 90 corresponde ao perfil de Portugal – deveríamos ser, na Europa, uma aproximação do que a Flórida é nos EUA, com um cluster que designaria por cluster de bem-estar (turismo e turismo residencial, saúde, lazer, indústria da cultura, distribuição alimentar, etc.), um cluster de indústrias do mar, outro voltado para as novas tecnologias, a agroindústria, incluindo os vinhos, mantendo vivo o cluster do sector automóvel, das industrias tradicionais de qualidade e valor acrescentado e sempre aberto à iniciativa empresarial inovadora. Sem dúvida que a reindustrialização do país, principalmente a óptica que antes referi, de uma maior integração na cadeia de valor da produção europeia, faria todo o sentido. Lembro frequentemente que, em 1995, não tínhamos só as contas equilibradas: a dívida pública representava 60% do PIB (hoje quase 120%). A dívida externa líquida era 8% do PIB, hoje mais de 90%. A taxa de poupança representava 22% do PIB, hoje metade. O Investimento Directo Estrangeiro havia sido fundamentalmente canalizado para uma forte reindustrialização, para a introdução de novos clusters, como o automóvel, para o upgrading das indústrias tradicionais, e não só para as autoestradas. Perdemos, é certo, peso na agricultura e nas pescas, não teremos ido tão longa na qualificação dos recursos humanos, mas não nos limitámos a melhorar as infraestruturas. Privatizou-se o sector bancário, fortalecendo-o, e várias empresas industriais. Iniciou-se a internacionalização das empresas. Havia uma estratégia.

Mas este perfil de crescimento não pode deixar de ser complementado com uma vantagem indiscutível que Portugal detém e é uma mais valia enorme para a União Europeia – o atlantismo, a lusofonia, as relações especiais com África, América Latina e China, que não podem deixar de ser potenciadas.

III

O SISTEMA BANCÁRIO PORTUGUÊS

Slide 16: Main aspects of the Portuguese banking sector

O sistema bancário português mostrou grande resiliência durante toda a crise 2008/2010 tendo iniciado um forte programa de desalavancagem com o início do PAEF e, posteriormente, um processo de recapitalização.

O sector bancário português está sólido, bem provisionado, apresentado um rácio CORE TIER 1 de 11,1% em Setembro de 2012.

Registou-se uma melhoria progressiva na composição da solvabilidade total do sistema, como maior proporção da componente de qualidade superior (CORE TIER 1).

No que respeita ao aumento de capital efectuado por dois bancos privados, com recurso ao Fundo do PAEF, e pela da CGD, através do reforço directo do accionista Estado, em qualquer dos casos para corresponder às exigências da EBA referentes à constituição de buffers para cobertura de dívida soberana, ambos realizados sob a figura de “ajudas directas do Estado”, não posso deixar sem uma referência o exorbitante custo pago pelos bancos (uma taxa de remuneração dos CoCos entre 8,5% e 10,25%), por força de uma interpretação cega das regras de concorrência por parte da Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia, assente na ficção de que o Mercado Único está a funcionar normalmente, quando a realidade mostra, no nosso caso, que não há bancos estrangeiros que queiram emprestar às empresas portuguesas! Ajuda? A consequência é um sério prejuízo para a economia portuguesa, para as nossas empresas, que a ninguém beneficia.

No que respeita à liquidez a situação dos bancos é confortável, tendo os bancos reduzido o diferencial entre crédito e depósitos significativamente. Para os oito maiores bancos o rácio de transformação é 124% em Setembro de 2012. A boa evolução dos depósitos permanece como um dos factores essenciais para a estabilidade do sistema.

O financiamento do BCE corresponde a cerca de 12% dos recursos dos bancos portugueses e representa cerca de 5% da liquidez fornecida pelo BCE (a quota normal dos bancos portugueses seria de 2,5%). O colateral disponível aumentou consideravelmente e é confortável.

As imparidades e a quebra da margem financeira têm sido a principal fonte de pressão sobre a rentabilidade do sector, reflectindo a forte deterioração da qualidade do crédito e a necessidade de salvaguardar a cobertura do crédito vencido em balanço e o custo dos recursos.

Em resumo: o sector bancário continua sob pressão por via da deterioração da qualidade do crédito, mas a banca está robusta e bem preparada para fazer face às dificuldades.

Uma menção final aos grandes desafios que se colocam ao sistema bancário português, e permita-se-me repetir, um dos mais modernos da Europa.

O sistema financeiro europeu e, naturalmente, o português está a viver um momento de profundíssimas mudanças, que conduzem a um novo paradigma para o sector.

Esta caracteriza-se por um autêntica revolução regulatória, tecnológica, comportamental e por alterações importantes nos modelos de negócio. De facto, os bancos estão a realizar ajustamentos significativos, resultantes da adaptação às novas circunstâncias do mercado.

Os bancos focar-se-ão, em primeiro lugar, no “funding”, na qualidade dos activos, no controlo das imparidades, no consumo de capital e na eficiência, procurando aumentar proveitos e reduzir custos, e na internacionalização.

Em resumo, a banca portuguesa tem cumprido escrupulosamente as suas responsabilidades, revelando uma assinalável capacidade de modernização ao longo das últimas décadas e uma resiliência notável face às conjunturas muito difíceis, que já vão no 5º ano consecutivo.

Os bancos portugueses continuarão a contribuir para a estabilidade financeira e cumprirão a sua missão insubstituível de financiar a economia.

E neste momento especial, em que necessitamos de investimento, empresas mais fortes e recapitalizadas, a Banca está preparada e tudo fará para ser o motor da economia.

Slide 17: Conclusion

Rigor, espírito de sacrifício, solidariedade, diálogo, capacidade de negociação interna e com a União Europeia, são os meus votos neste Natal de 2012.

Fernando Faria de Oliveira

Presidente da Associação Portuguesa de Bancos

Lisboa, 5 de Dezembro de 2012