A Banca no financiamento das empresas.

27 de Janeiro de 2015
Discurso do presidente da APB, Fernando Faria de Oliveira, na cerimónia de atribuição do estatuto PME Excelência 2014.

É uma honra participar nesta cerimónia que atribui o Estatuto PME Excelência a empresas que se distinguiram especialmente na sua contribuição para a criação de riqueza, um objectivo permanente de um país.

Quais são os factores determinantes para o crescimento económico em Portugal?

- a capacidade empresarial, que engloba investimento e necessidade de financiamento
- quadro macroeconómico favorável, com ênfase na sustentabilidade das finanças públicas
- quadro institucional favorável, sobressaindo a realização de reformas estruturais e a existência de um sistema financeiro sólido
- competitividade, alicerçada no conhecimento e na eficiência, ganhos de produtividade e inovação

 Os maiores constrangimentos ao crescimento económico encontram-se aos níveis de

- investimento (diria subinvestimento), que necessita de forte impulso, numa conjuntura com vários aspectos desfavoráveis para os investidores
- do lado das finanças públicas, saliento a necessidade de intensificar a redução da despesa pública e da sua estrutura para poder aliviar a carga fiscal e assim, contribuir para aumentar a atractividade do país para o investimento. Mas bem sabemos que tal exige a reforma do Estado a esta, politicamente, não é praticável, sem um compromisso entre os principais partidos
- o terceiro grande constrangimento é o excessivo endividamento das sociedades não financeiras (um dos maiores da Europa e o seu processo de desalavancagem tem sido insuficiente) e a subcapitalização das empresas.

Que qualquer destes dois últimos constrangimentos levará anos para ser resolvido. Entretanto, temos de procurar acelerar, com medidas eficazes, a redução das vulnerabilidades e constrangimentos da economia. Fez-se já bom trabalho na flexibilização das empresas, que revelaram uma boa capacidade de ajustamento nos últimos anos, designadamente com significativa redução de custos, e diversificação dos seus mercados.

De entre os pilares para a prosperidade das PME (empreendedorismo, redução dos custos de contexto, formação de competências, acesso aos mercados globais, parcerias e acesso ao financiamento), vou centrar-me neste último.

Mas começo por uma breve referência ao pilar parcerias.

Dos vários domínios onde é indicado e racional realizar parcerias – por exemplo, o relativo ao reforço de capitais, com entrada de novos accionistas, ou fusões ou associações para aumentar a dimensão, ou os que visam a comercialização, incluindo a integração em redes, ou os que pretendem reforçar a área tecnológica, com realce para as tecnologias de informação e as aplicações digitais – sem dúvida que as relações com o sector financeiro surgem prioritariamente.

Os bancos e outras instituições do sistema financeiro são os principais parceiros das empresas.

Desde o início do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro verificou-se uma redução da concessão de crédito às empresas, que resultou da crise financeira e principalmente da dívida soberana e da recessão económica.

Tal ficou a dever-se, do lado da banca e numa primeira fase, perdido o acesso aos mercados, ao processo de desalavancagem necessário e imposto para garantir a estabilidade financeira e permitir o fortalecimento dos bancos.

Registou-se, também, o impacto dos novos quadros regulatório e de supervisão da banca, que eram necessários e vêm sendo implementados a nível europeu e mundial e que trouxeram também grandes implicações e mudanças no sistema bancário e nos modelos de negócio dos bancos.

Os novos requisitos de capital, de liquidez e de leverage, a nova cultura de supervisão bancária, implicando critérios ainda mais rigorosos de análise de risco e maior exigência na qualidade dos colaterais, impõem naturalmente sensatez na concessão de crédito.

Só para terem uma ideia dos impactos da nova regulação, dou um exemplo.

Em Basileia II exigia-se que o capital de maior qualidade dos bancos (acções com direito a votos e reservas) fosse superior a 2% dos activos ponderados pelo risco; em Basileia III, em vigor desde o ano passado, essa exigência aumentou para 7% e foi acrescida por requisitos adicionais: exigem-se outros mínimos de capital total (TIER 1 e TIER2), em capital de qualidade (CT1) e de maior qualidade (Common Equity Tier 1), colchões de capital adicionais (buffers contraciclíco e de conservação), rácios de liquidez de curto e longo prazo, limites de endividamento (rácios de leverage) e exigências em matéria de resolução.

Passou-se de um rácio de capital em Basileia II para dez indicadores distintos com Basileia III. A gestão do consumo de capital é detrerminante na banca.

No lado da supervisão prudencial, à supervisão de solvência junta-se a macroprudencial e a de resolução.

Os modelos de avaliação de risco são exigentes e não se limitam ao risco de crédito – o risco de mercado, o risco operacional, o risco de capital, o risco de liquidez, os riscos de governance e de conduta, o risco do modelo de negócio, o risco de contexto, são também peças essenciais da nova supervisão

As carteiras de crédito dos bancos são escrutinadas com base em critérios iguais para todos os bancos europeus. E, se os créditos não estão bem fundamentados e colateralizados, os bancos têm de registar imparidades ou fazer provisões.

Entretanto, como sabemos, a crise económico financeira conduziu a uma aumento enorme do incumprimento do crédito e, com ele, das imparidades e das provisões no balanço dos bancos. Por outro lado,  a margem financeira dos bancos está sob forte pressão devido ao muito baixo valor das taxas de juro do Euro.  Assim, a rentabilidade da banca caiu drasticamente, de um ROE superior a 16% em 2007 para valores negativos desde há três anos, em termos agregados.

No entanto, o trabalho desenvolvido permitiu, por um lado - e devido aos aumentos de capital efectuados -, que os bancos apresentem rácios de capital acima dos mínimos exigidos. De facto, apesar do contexto muito desfavorável, os bancos estão mais solventes e a sua liquidez também melhorou significativamente. As medidas tomadas pelo BCE, designadamente a descida da taxa de juro de intervenção e as LTRO e TLTROs, operações de financiamento bancário de longo prazo ligados ao crescimento de crédito, bem como a redução do rácio de transformação, o bom comportamento dos depósitos e, nalguns casos, um ligeiro acesso aos mercados, permitem que os bancos estejam confortáveis em termos de liquidez.

Este facto, aliado à necessidade dos bancos aumentarem o seu negócio – o que significa conceder mais crédito – para melhorar a sua rentabilidade fazem com que haja uma capacidade suficiente para atender a procura de crédito solvente. E as taxas de juro para esta procura têm vindo a diminuir. O problema está então, em que a procura de crédito é, realmente escassa - o que espero não aconteça com as PME Excelência.  Repito: a banca não apresenta problemas de liquidez e é a principal interessada em conceder crédito e actuar como parceiro das empresas que obedeçam às condições requeridas para ter acesso ao crédito.

Mas, para tal, é necessário que as PMEs

· apresentem adequada autonomia financeira
· aperfeiçoem a sua informação contabilística e de gestão
· forneçam modelos de negócio sustentáveis, business plans credíveis, estratégias de crescimento consistentes
· demonstrem capacidade de gestão
· se foquem na criação de valor a prazo, sem descurar a necessidade de geração de resultados de curto prazo que permitam o cumprimento das suas responsabilidade para com terceiros
· em relação às que estão ainda muito sobreendividadas, mas são viáveis e têm mercado, devem estudar-se soluções possíveis, com o aconselhamento dos bancos
· a capitalização das empresas é fundamental para o acesso ao financiamento em condições de preço sustentáveis a médio e longo prazo, quer se trate de empresas já com dimensão (mid-caps e outra) e com grau de desenvolvimento que lhes permita recorrer também a outras fontes de financiamento, quer se trate do grande universo das PME, para o qual a intermediação bancária é ainda mais fundamental por razões de redução assimetrias de informação, eficiência de avaliação e acompanhamento do crédito.


As PME Excelência já cumprem estes requisitos, mas existe um grande número de PME que apresenta desvantagens competitivas significativas derivadas de lacunas ao nível da disponibilização da informação contabilística e de gestão, do risco intrínseco, na sofisticação financeira, na visibilidade externa. Mecanismos que reduzam estas precaridades revestem-se de particular utilidade, melhoram a avaliação de risco e contribuirão para proporcionar uma capacidade de diversificação futura de fontes de financiamento.

Para terminar, não tendo tempo para um desenvolvimento mínimo, faço referência a duas matérias muito actuais relacionadas com o financiamento da economia.

A primeira tem a ver com o desenvolvimento de outras formas de financiamento e a segunda com o Programa Quantitative Easing

Outras formas de financiamento

Na Europa, os bancos têm historicamente sido a principal fonte de financiamento do investimento, com os mercados de capitais a apresentarem um papel muito secundário, 70% das necessidades de financiamento da Europa são cobertas por crédito bancário, contra 30% no EUA. É desejável que o desenvolvimento de formas de financiamento alternativas, mais do que substituir, venham a complementar crédito bancário, potenciando um financiamento mais favorável da economia.

Encontra-se em curso um ambicioso projecto de criação de uma União de Mercado de Capitais, com os seguintes objectivos:

- Curto prazo – fomentar o financiamento da economia, com os mercados de capitais a constituírem uma espécie de “pneu suplente” do crédito bancário
- Longo prazo – criação de sistema financeiro:
     a) mais eficiente e mais competitivo
     b) mais resiliente (devido a uma maior diversificação de fontes de financiamento).


No quadro seguinte, apresento várias modalidades de financiamento das empresas, agrupadas por objectivos de utilização:
 


Finalmente, uma nota sobre o Programa Quantitative Easing lançado pelo BCE, que é muito positivo e é necessário. Esta compra massiva dos títulos da dívida já emitidos e adquirida no mercado secundário, principalmente dívida pública visa

- subir a taxa de inflação para o limiar de 2%
- provoca uma depreciação do euro, o que contribui para o aumento das exportações europeias
- as taxas de juro de longo prazo descem, o que encoraja o investimento e o consumo
- reduz a fragmentação dos mercados, por redução da diferenças de prazos nos principais mercados
- permite uma “injecção” de confiança nos agentes económicos


Mas, para se assegurar um crescimento económico razoável e sustentado na Europa, o mecanismo de transmissão da política monetária tem de ser complementado com medidas eficazes da política económica e orçamental e com reformas estruturais.

Este programa permite libertar liquidez adicional para o sistema bancário o que, mesmo reiterando que esse não era um constrangimento significativo neste momento para o nosso sector bancário, é sempre um contributo positivo. Certos projectos que requereriam crédito com prazos mais amplos poderão beneficiar desta medida.

E o sector bancário terá de saber, também ele, aproveitar da melhor forma possível esta medida no reforço do seu capital próprio, o que é um elemento determinante para aumentar a capacidade de concessão de crédito.

O Quantitative Easing não pode ser tido como um programa “milagreiro” para conceder crédito a empresas ou projectos que não reúnam condições para a ele acederem – a gestão rigorosa, a regulamentação, a supervisão bancária, não o permitem.

Mas, sem dúvida, é uma medida deveras positiva, necessária, que contribui para motivar, ainda mais, o objectivo dos bancos de aumentar o volume do crédito solvente e, principalmente, para estimular a procura do crédito.

Termino, endereçando os nossos PARABÉNS às PMEs Excelência

 

Fernando Faria de Oliveira