26 de Maio, 2015

O presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), Fernando Faria de Oliveira, participou, a 26 de Maio, na Conferência TSF/OTOC 'Iniciativa Privada - A economia, as empresas e o sistema fiscal', em Lisboa. Leia aqui o discurso de abertura do evento.

"É uma honra participar nesta Conferência sobre INICIATIVA PRIVADA – A economia, as Empresas e o Sistema Fiscal, organizada pela TSF e pela Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas.

A iniciativa privada é a base e o motor da economia de mercado, adoptada pela esmagadora maioria dos países.

Como desenvolve Francis Fukuyama, num artigo do Wall Street Jornal publicado no Courrier de Maio, a ordem económica mundial liberal prevalecente conduziu a aumentos significativos dos níveis de prosperidade em todos os continentes. A produção mundial quadruplicou entre o início dos anos 70 e 2008. As classes médias, em que assenta a democracia liberal, têm-se alargado em todo o mundo e são muito mais instruídas e mais exigentes.

A sociedade civil tem uma importância e um papel crucial, tanto no funcionamento e na qualidade da democracia, como no desempenho da economia de mercado a ela associado.

É, pois, natural, que a sociedade civil se preocupe, defenda e contribua para que o enquadramento de actuação da iniciativa privada – das empresas – seja o mais favorável possível para a criação de riqueza, de emprego e de prosperidade, que constituem objectivos permanentes de um país.

E as suas elites, culturais, políticas e económicas - que são tanto mais necessárias quanto maiores são as carências de um país -, têm responsabilidades especiais : o seu contributo, a sua clarividência e visão estratégica tornam-se ainda mais importantes para promover o progresso económico e o bem estar social.
O nosso país, depois de um crescimento económico anémico entre 2000 e 2008 (média de 0,6% por ano), com níveis de endividamento público e privado muito elevados, viveu em recessão de que só saiu desde há um ano.

Ora sabe-se que

  • causas profundas, a grande maioria já diagnosticadas, que nos conduziram a esta situação, mas muitas vezes deixamos confundir as consequências das crises com as suas origens, e acabamos por não atacar convenientemente, com consistência, as nossas fraquezas profundas e as nossas debilidades;
  • nos últimos 4 anos tivemos, para evitar a bancarrota, de seguir um programa de ajustamento com receitas que, na prática, nos foram impostas pelos credores (e que incluíram medidas por vezes excessivas e até inadequadas e outras insuficientes). Conseguimos atingir a meta essencial – regressar aos mercados -, cumprindo o objectivo relativo ao equilíbrio externo, mas os restantes quatro objectivos (equilíbrio interno, oferta agregada, redução do excessivo endividamento privado e sustentabilidade orçamental) só parcialmente foram prosseguidos, ficando muito trabalho a realizar para os atingir;
  • necessitamos de um largo e mais ambicioso período de crescimento económico para absorver o excesso de dívida acumulada, para reduzir o elevado nível de desemprego, que afecta o desenvolvimento sócio-económico, para gerar mais prosperidade e, também, para cumprirmos os nossos compromissos enquanto Estado – quer a nível interno (designadamente os que proporcionem e permitam um estado social sustentável), quer a nível externo;
  • e tem de se reconhecer a capacidade de resposta do tecido produtivo perante a crise:  um largo conjunto de empresas tiveram uma capacidade de ajustamento às circunstâncias notável, reduzindo custos, diversificando mercados, flexibilizando-se. O desempenho das empresas exportadoras, em particular, mostra a nossa capacidade de enfrentar desafios, é um exemplo estimulante. O peso das exportações no PIB aumentou significativamente para mais de 40% (ainda que com uma componente importada de 15%).

Sendo o crescimento económico, o nosso principal desiderato, importa ter sempre presente que há quatro principais factores que, em especial, o condicionam:

  • um quadro macroeconómico são, com ênfase na sustentabilidade das finanças públicas;
  • um quadro institucional favorável, sobressaindo a realização de reformas estruturais, políticas que melhorem o nível do capital humano (educação, qualificação, investigação, inovação, propriedade intelectual), mercados laborais flexíveis e um sistema financeiro sólido;
  • competitividade, alicerçada no conhecimento, na eficiência, na alta produtividade e na inovação, que nos coloque positivamente na economia global;
  • iniciativa e capacidade empresarial, que engloba visão, investimento e necessidade de financiamento.

Há que salientar, no entanto, que de entre os constrangimentos ao crescimento económico que defrontamos, há três que são determinantes:

1º Constrangimento

Do lado das finanças públicas, saliento a necessidade de redução da despesa pública, para poder aliviar a carga fiscal e, com isso, aumentar a atractividade do país para o investimento e promover o crescimento virtuoso do consumo. O programa de ajustamento previa uma consolidação orçamental alicerçada na redução da despesa pública, com um contributo de 2/3, e no aumento da receita (carga fiscal), que seria responsável por 1/3. Fez-se exactamente o contrário. A razão de fundo é que a redução da despesa implica a Reforma do Estado da Administração Pública, das Autarquias - e que reformas se realizaram na máquina do Estado e das autarquias? -, da Segurança Social, requer opções relacionadas com Serviços Públicos e a sua sustentabilidade e qualidade (educação, saúde, segurança, defesa, etc). No fundo, é preciso responder à seguinte questão: que Estado podemos desenhar em função das receitas fiscais suportáveis? Porque querer, todos desejamos o máximo e o melhor... E todos sabemos que uma reforma do Estado só se realizará – e ao longo de vários anos – com compromissos políticos e sociais e com consensos, que criem condições para a sua execução num clima social sustentável, sendo que a contestação estará sempre presente em várias frentes. Que dinâmicas são necessárias para avançar? Que cultura de compromissos podemos desenvolver?


2º Constrangimento:

A subcapitalização das empresas e, em particular, o sobreendividamento das mesmas, um dos maiores da Europa, sendo que o processo de desalavancagem tem sido insuficiente.

3º Constrangimento:

O nível de investimento: vivemos em sub-investimento em relação às necessidades de prossecução de um crescimento económico razoável. Desde logo porque a conjuntura tem sido adversa para a atracção de investidores, nacionais e estrangeiros, também porque a base de capital privado nacional sofreu uma grande erosão com a crise financeira internacional e a crise de dívida soberana, e ainda porque a atracção de IDE tem de ser estimulada, incentivada - e nesta matéria a questão fiscal é muito relevante.

A ultrapassagem destes três constrangimentos, sem o que nos manteremos  vulneráveis, requer que o assumamos e exige a mobilização de vontades para uma estratégia nacional realista e ambiciosa.

A estabilidade do enquadramento político, económico e institucional assume-se determinante para a recuperação da confiança e das intenções de investimento. Há que preservar o que de bom foi feito.

Requer-se um ambiente que reduza a incerteza e os sentimentos de desconfiança, proporcione a alteração do clima de aversão ao risco e estimule o investimento.

Devíamos ter uma obsessão pelo investimento, sem o qual não há crescimento económico e do emprego ambiciosos.

Entrámos num ciclo virtuoso para o crescimento, competitividade e aumento de confiança na economia, empresas e famílias. Há uma conjugação excepcional de factores favoráveis – baixos preços da energia, taxas de juro muito baixas, uma Euribor mais fraca, um novo quadro comunitário, iniciativas novas da União Europeia para fomentar o investimento, uma melhoria das expectativas e da percepção dos mercados sobre Portugal. O sector exportador, que tem sido o grande baluarte do crescimento, beneficia da recuperação da eurozona e da depreciação do euro. E Portugal tem hoje um conjunto de outros factores para atrair o investimento, incomparavelmente superior ao de há cerca de 25 anos: uma geração muito mais qualificada, capacidade científica, de gestão e de inovação, maior qualificação da força de trabalho, além de muito boas infra-estruturas, o  que deve ser valorizado.  Há que tirar o maior partido deste contexto positivo, actuando ainda com mais intensidade sobre os constrangimentos e encorajando o investimento. E este, claro, implica acesso ao financiamento. É no financiamento que vou agora centrar-me.

A crise internacional 2008-2010, muito agravada em Portugal com a crise da dívida soberana afectou profundamente empresas, accionistas e trabalhadores e, claro, a banca, obrigando todos a ajustar-se e a operar nas novas circunstâncias.

É essencial para um país ter um sistema bancário forte, moderno e confiável, porque a banca é o coração da economia, responsável por mais de 70% do financiamento das empresas.

É voz corrente, não só em Portugal, mas em toda a União Europeia que “o financiamento não chega à economia”.

Valerá a pena tentar “decifrar” este sentimento: esta percepção deve-se tanto a dificuldades do sector bancário, que tiveram particular incidência na fase inicial da crise da dívida soberana, contribuindo para a queda da concessão de crédito, como das empresas, então e agora. Vejamos, começando pela parte bancária:

  • O crescimento do crédito às empresas foi muito significativo até ao eclodir da crise financeira internacional. E importa referir que, por um lado, em finais de 2007, a Euribor atingia mais de 5% (o preço do crédito era, pois, bem elevado) e, por outro lado, a taxa de incumprimento das empresas era inferior a 2%;
  • Mesmo no período da crise financeira 2008-2010, em Portugal continuou a haver crescimento do crédito (12,8% entre 1 de Janeiro 2008 e 31 de Dezembro de 2010);
  • Como consequência da crise da dívida soberana e das suas implicações na banca e nas empresas, e também dos impactos do novo quadro regulatório e da supervisão da banca, o crédito caiu 21,2% entre finais de 2010 e 2014.

De facto, a crise da dívida soberana afectou significativamente a banca, que dela foi vítima, contaminando os ratings, impedindo o acesso a funding nos mercados internacionais, e criando assim dificuldades de liquidez, conduzindo a requisitos de capital muito mais pesados e a planos de desalavancagem exigentes. Ao mesmo tempo, a inerente crise económica levou a elevados crescimentos das taxas de incumprimento (que, nas empresas, passaram de menos de 2% em Dezembro de 2007 para 13,8% em 2014), das imparidades (que totalizaram 31 mil milhões de euros entre 2007 e 2014) e a uma forte pressão sobre a margem financeira (a Euribor caiu de 5,2% em 2008 para 0,3% em Junho de 2014). De tudo isto resultou que a rentabilidade dos bancos e a sua cotação caiu fortemente – o ROE (rácio de rentabilidade) passou de 17,7% em 2007 para -11,5% em 2013 e -19,2% em 2014 (incluindo o Novo Banco e BES), o que, naturalmente, teve implicações na apetência de investidores privados no sector bancário.

Por outro lado, os bancos tiveram de pôr em prática um muito exigente processo de desalavancagem, [que tinha como objectivo, no PAEF, reduzir o rácio de transformação (crédito/depósitos) de cerca de 160% em Junho de 2010 para 120% (em finais de 2014)] e de fortalecimento dos seus balanços e do seu capital.

Registou-se, também o impacto dos novos quadros regulatórios e de supervisão da banca, que eram obviamente  necessários e vêm sendo implementados a nível europeu e mundial e que trouxeram também grandes implicações e mudanças no sistema bancário e nos modelos de negócio dos bancos.

Os novos requisitos de capital, de liquidez e de leverage, a nova cultura de supervisão bancária, implicando métodos e critérios mais rigorosos de análise de risco e maior exigência na qualidade dos colaterais, tiveram também fortes implicações nos modelos de negócio dos bancos, mas também impactos na economia e impõem, naturalmente, que se prossigam, na concessão de crédito, critérios de rigor e sensatez.

Os bancos enfrentam um quadro regulatório e de supervisão muito exigente, complexo, incerto em muitos aspectos técnicos, por vezes redundante. Tiveram de se preparar e dotar de recursos humanos e tecnológicos para o absorver, o que representou novos custos.

A European Banking Federation (EBF) e Associação Portuguesa de Bancos sempre defenderam que é absolutamente necessário calibrar as medidas regulatórias, individualmente e na sua apreciação conjunta, avaliando rigorosamente os seus impactos na economia e as implicações no sistema, e que a definição de períodos de transição ajustados à capacidade de absorção e de execução por parte da banca era indispensável, para não ter impactos negativos na economia.

Também a União Bancária veio trazer um novo quadro muito exigente, tanto a nível da Supervisão como da Resolução.

As carteiras de crédito dos bancos são escrutinadas com base em critérios iguais para todos os bancos europeus. E, se os créditos não estão bem fundamentados e colaterizados, os bancos têm de registar imparidades ou fazer provisões.

Apesar deste contexto muito desfavorável em que actuaram, os bancos estão agora mais solventes e confortáveis em liquidez. Mas enfrentam ainda grandes desafios, de que sobressaem a retoma da rentabilidade e a recuperação da sua reputação.

Não restem dúvidas: para melhorar a rentabilidade, os bancos necessitam de aumentar o seu negócio – o que significa conceder mais crédito para aumentar o seu benefício. Há efectivo interesse e capacidade para atender a procura de crédito solvente.

O acesso ao crédito encontra-se praticamente reestabelecido, com avanços em termos de volume e as taxas de juro para esta procura, como é notório, estão em valores muito favoráveis para as empresas. Temos, pois, um sistema bancário em condições de financiar a recuperação sustentada da economia.

Contudo o financiamento da economia não depende apenas da solvência e da liquidez dos bancos; depende, primeiramente, da procura de crédito existente. E esta, actualmente, apresenta-se ainda escassa (e insuficiente em relação ao interesse dos bancos, que é o de conceder crédito, em particular por parte das PME, que dominam a economia nacional (e das cerca de 380 mil PME, 340 mil são micro-empresas).

As perspectivas de evolução da procura de crédito das empresas são sempre muito condicionadas pelo clima económico.

As empresas de menor dimensão tendem a ser mais vulneráveis a choques económicos, em grande medida porque apresentam dificuldades acrescidas de financiamento, quando comparadas com as suas congéneres de maior dimensão. Por outro lado, a escassez de capitais próprios constituiu uma debilidade estrutural há muito diagnosticada.

A capitalização das empresas é um passo decisivo para o acesso ao financiamento em condições de preço sustentáveis a médio e longo prazo, quer se trate de empresas já com dimensão (mid-caps e outras) e com grau de desenvolvimento que lhes permita recorrer também a outras fontes de financiamento, quer se trate do grande universo das empresas, para o qual a intermediação bancária é ainda mais fundamental, por razões de redução de assimetrias de informação, eficiência de avaliação e acompanhamento do crédito. Podem utilizar-se várias soluções para a recapitalização das empresas, dos aumentos de capital à conversão dos créditos, do recurso ao mercado de capitais ao capital de risco e aos equity funds. E a produtos inovadores, como poderá ser um Fundo de Capital Reversível em Dívida em projecto pela Instituição Financeira de Desenvolvimento.

Mas existem outras precaridades relevantes para atribuição de crédito designadamente ao nível da apresentação dos pedidos.

Em síntese, e sem prejuízo de se tomarem em consideração as especificidades de muitas microempresas,  mencionaria que, para melhorarem o acesso ao crédito, é necessário que as empresas:

  • apresentem adequada autonomia financeira;
  • demonstrem capacidade de gestão;
  • aperfeiçoem a sua informação contabilística e de gestão;
  • forneçam modelos de negócio sustentáveis, business plans credíveis, estratégias de crescimento consistentes;
  • se foquem na criação de valor a prazo, sem descurar a necessidade de geração de resultados de curto prazo que permitam o cumprimento das suas responsabilidades para terceiros;
  • em relação às que estão ainda muito sobre-endividadas, mas são viáveis e têm mercado, devem procurar, com o aconselhamento dos bancos, estudar soluções de restruturação de dívidas e de reforço do seu balanço. É do mesmo modo, muito importante para os bancos reduzir o nível do crédito em risco, mal parado.

Mecanismos que reduzam as precaridades enunciadas revestem-se de particular utilidade, melhoram a avaliação do risco e contribuirão para proporcionar uma capacidade de diversificação futura de fontes de financiamento.

A banca, e as outras instituições do sistema financeiro nacional estão fortemente empenhadas em colaborar, estreitamente, para ajudar a encontrar vias de superação das dificuldades de acesso ao financiamento, designadamente através do desenvolvimento de modalidades alternativas, em que é desejável complementar o crédito bancário.

A este propósito deve sublinhar-se que o problema do financiamento das PME, sendo mais sensível nos Estados Membros do Sul da Europa, é-o em toda a União Europeia, pelo que as suas instituições estão a desenvolver  projectos novos.

Importa, de facto, criar a nível europeu um enquadramento favorável à captação de recursos e à sua alocação eficiente, envolvendo, simultaneamente, a concessão de crédito bancário e o aumento do recurso aos mercados de capitais. Devidamente equacionadas, a União Bancária e uma União de Mercados de Capitais possibilitarão o surgimento de uma União de Mercados Financeiros integrados e eficientes. Para tal, o enfoque deve ser colocado no aumento do financiamento global da economia, e não em efeitos de substituição de fontes de financiamento.

Mercados de capitais líquidos e eficientes possibilitarão, a prazo, o aumento do volume de crédito bancário (mesmo que a percentagem do financiamento bancário em função do financiamento total diminua), em particular se a utilização dos mercados de capitais for direccionada para suprir lacunas de financiamento (designadamente a insuficiência de capitais próprios e o financiamento em estágios iniciais do ciclo de vida das empresas).  O desenvolvimento de fontes de financiamento complementares ao financiamento bancário, indissociável do projecto de criação da União de Mercados de Capitais, deve ser sujeito ao princípio “mesmos riscos, mesmas regras”. O financiamento não bancário comporta riscos para o sistema financeiro e para os investidores, e deve ser objecto de adequada regulação e supervisão, tanto a nível prudencial, como comportamental, sendo, por isso, essencial o seu reforço com rigor semelhante ao exigido ao sector bancário.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Os bancos portugueses continuam a operar num contexto difícil e prosseguem importantes desafios, de que destaco:

  • o sistema bancário como vector e parceiro para o crescimento económico
  • a recuperação da reputação do sector
  • a retoma da rentabilidade, muito importante para tornar a atrair accionistas privados e facilitar o crédito
  • a preparação e absorção do novo quadro regulatório e de supervisão
  • o desenvolvimento da banca digital

Mas o trabalho realizado para o ajustamento ao novo paradigma do sector permite afirmar que estão preparados para satisfazer as necessidades de financiamento das empresas, empenhados em apoiar processos de restruturação e recapitalização das empresas e em reforçar a relação de parceria com cada empresa e comprometidos com o desenvolvimento económico e social de Portugal.
Muito obrigado"

Fernando Faria de Oliveira
26/05/2015