19 de Fevereiro, 2013

Projecto de Lei Nº 307/XII Cobrança de Comissões e outros encargos pelas Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras devidas pela prestação de serviços aos consumidores.

Senhor Presidente, Senhores Deputados

Quero começar por agradecer esta audição e apresentar os membros da APB que me acompanham, os Senhores Dr. Miguel Maya, Vice-presidente do BCP, Dr. Joaquim Gois, Administrador do BES, Dr. José Carlos Sítima, Administrador do BST e o Dr. José Manuel Faria do Gabinete Jurídico da APB.

Sendo as instituições de crédito (a par das sociedades financeiras) as únicas destinatárias do diploma, não pode a Associação Portuguesa de Bancos, na qualidade da associação representativa do sector, deixar de trazer ao conhecimento da Assembleia da República as sérias apreensões que nos suscita o projecto de lei em exame, o qual, em nossa opinião, põe em causa princípios fundamentais do nosso ordenamento económico e do sistema financeiro.

Aliás, o tema em análise não é novo, já tinha sido abordado, creio, na anterior legislatura, tendo sido retirado, como se impunha e se impõe.

Começo por repetir que esta matéria está já devidamente tratada, alicerçando-se na nossa legislação e em vários regulamentos, destacando-se:

- O diploma das Cláusulas Contratuais Gerais (DL nº 446/85, de 25 de Outubro, na redacção dada pelo DL 220/95, de 31 de Agosto, DL 249/99, de 7 de Julho e DL 323/2001, de 17 de Dezembro);

- O Artº 77º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades financeiras;

- O DL 133/2009, de 2 de Junho;

- O DL 1/2008, de 3 de Janeiro;

- O Aviso nº 8/2009 do Banco de Portugal;

- A Instrução nº 21/2009 do Banco de Portugal.

De facto, este projecto enferma de um manifesto pendor intervencionista na formação de preços de serviços bancários que se pretendem resultado de mecanismos de livre concorrência, numa economia de mercado de tradição liberal, cujas consequências para a economia e para o sistema financeiro poderão ser extremamente graves.

As comissões bancárias são preços que os bancos cobram aos seus clientes pelos serviços que lhes prestam e a fixação destes, como o de quaisquer outros bens ou serviços deve, numa economia de mercado como a nossa, resultar, em princípio, do livre exercício da concorrência.

O que se espera do Estado como legislador é que garanta a existência de uma concorrência sã e efectiva, sancionando as práticas restritivas ou de distorção da mesma e que assegure, por via legislativa e de uma efectiva fiscalização da sua observância, a prestação pelos bancos de informação clara, verdadeira e completa, sobre os preços praticados e os serviços a que os mesmos preços correspondem. É justamente através da efectiva concorrência, da transparência dos preços e da livre e informada escolha do consumidor que melhor se protegem os interesses deste último neste domínio.

Refira-se a propósito que em matéria de informação ao consumidor de produtos bancários, o Banco de Portugal tem vindo a desenvolver uma intensa e exigente actividade no domínio da regulamentação e da respectiva fiscalização que parece não ser tomada em conta pelos autores do presente projecto. Por outro lado e no que respeita à concorrência, sublinhe-se que a mesma não pode ser unicamente considerada no estrito espaço das nossas fronteiras, devendo ter em conta o mercado europeu em que estamos integrados no qual os bancos portugueses não deverão estar sujeitos a padrões mais exigentes – de duvidosa compatibilidade, aliás, com o direito comunitário – do que os seus congéneres europeus.

A sujeição generalizada das comissões bancárias a um regime de controlo administrativo restringe injustificadamente a autonomia privada, restrição que não encontra paralelo em outras actividades económicas exercidas em regime de concorrência, suscita sérias dúvidas de compatibilidade com o direito comunitário e pode originar efeitos perversos de nivelamento de preços e desencorajamento da concorrência em função da qualidade dos serviços e da inovação.

Não podemos, assim, deixar de manifestar a nossa total discordância relativamente ao regime que se propõe de autorização prévia pelo Banco de Portugal de todas as comissões cobradas pelo bancos e dos respectivos montantes. A regulamentação em vigor já obriga os bancos à divulgação pública e ao envio ao Banco de Portugal de todas as comissões que praticam e esta autoridade de supervisão dispõe dos poderes necessários para exigir os esclarecimentos e correções que considere necessários em função do único objectivo relevante nesta matéria, que é o da prestação de informação clara, precisa e completa aos clientes.

Já no que respeita à determinação dos respectivos montantes deverá ser reconhecida a liberdade aos bancos na sua fixação em regime de livre concorrência, como acontece com a generalidade das actividades económicas. Um regime de aprovação casuística origina, ao contrário do que se afirma, uma menor transparência e uma restrição da concorrência, através de um potencial alinhamento pelos limites máximos decorrentes da prática da autoridade competente.

Por outro lado, contestamos frontalmente a ideia, subjacente ao projecto de que as comissões devam limitar-se a reflectir as despesas gerais da prestação do serviço em causa que os bancos possam comprovar. Em primeiro lugar, as comissões, como parte importante das receitas da actividade bancária, têm de contribuir para o financiamento da globalidade das despesas da instituição, incluindo os elevados custos fixos em que as mesmas incorrem, cuja imputação às diferentes áreas da sua actividade é problemática e de “comprovação” praticamente impossível.

Em segundo lugar, a definição do valor das comissões a cobrar tem de considerar, para além das despesas gerais, outras dimensões, como é o caso do custo do risco financeiro assumido pelos bancos nas várias operações e do custo do capital consumido.

Em terceiro lugar, o preço dos serviços prestados deve nalgumas circunstâncias ser um factor que desincentive os clientes de comportamentos indesejados.

Além disso, os bancos, como quaisquer empresas, não podem praticar preços que se limitem a cobrir os custos, necessitando de gerar lucros de modo a poderem fortalecer os seus capitais próprios, questão que assume actualmente uma importância vital no sector bancário dadas as elevadas e crescentes exigências de capital decorrentes da sua legislação específica. Por último, não se encontra qualquer justificação para uma discriminação, neste aspecto, da actividade bancária relativamente às restantes actividades económicas exercidas em regime de concorrência, onde não encontramos qualquer imposição semelhante.

A mesma ordem de objecções se aplica a outras disposições do projecto como a que determina a aplicação à fixação do montante das comissões de um princípio de proporcionalidade entre o preço e o valor do serviço, que ignora que, num sistema como o nosso, esse valor só pode ser determinado pelo mercado e a faculdade que se pretende atribuir ao Banco de Portugal de estabelecer “valores máximos” para as comissões “quando as condições do mercado assim o justifiquem”, como se a fixação administrativa de preços fosse uma prática compatível com um sistema de mercado.

Como já anteriormente referido, a supervisão comportamental já se debruça sobre as pretensões mais importantes previstas nesta iniciativa – divulgação e informação, preçário, comissões e outros encargos, possibilidade de intervenção do Banco de Portugal.

A supervisão comportamental tem vindo, aliás, a ser objecto de acentuado reforço e vem conduzindo a um significativo esforço das instituições bancárias para lhe dar resposta adequada.

Os bancos são os primeiros interessados em promover todas as acções que visem a confiança na sua actuação, centradas principalmente em três dimensões:

- Trabalhar bem a relação com o cliente

- Informar devidamente os agentes políticos

- Esclarecer cabalmente a opinião pública.

Os bancos consideram fundamental prosseguir o equilíbrio de interesses em todo o sistema.

A formação de preços no sistema bancário compreende já, para além dos três factores tradicionais, custos de funding, de funcionamento e de risco, uma 4ª componente ligada aos custos de resposta ao supervisor comportamental.

De facto, ao prescrever novas normas e regulamentos, estão a introduzir-se custos. Daí a importância de avaliar os impactos das medidas, tanto em relação aos bancos como à própria economia.

Não se pode deixar de tomar em devida atenção que se vive um novo ciclo e um novo paradigma no sector bancário, uma verdadeira revolução regulatória, tecnológica, comportamental e uma alteração consequente no modelo de negócio dos bancos.

A diabolização da banca é, de há muito, prosseguida por várias correntes ideológicas e políticas.

E não há dúvida que o comportamento de alguns agentes do sector, ligados à vertente especulativa e ao lançamento de produtos tóxicos, contribuiu fortemente para o renascer dos ataques generalizados à banca. A crise de 2007-2008 teve origem em bolhas, designadamente a imobiliária e a financeira especulativa e todos concordamos na absoluta necessidade de precaver, monitorizar e punir os prevaricadores, através do reforço da supervisão e da regulação.

Mas, no caso concreto de Portugal, não se pode imputar aos bancos qualquer responsabilidade pela crise. Durante a crise financeira internacional 2007-2008, mostraram uma resiliência notável e, no conjunto dos Estados Membros da UE, não só não utilizaram as facilidades então concedidas para aumento de capital com recurso a fundos públicos, como foram um dos países que menos recorreu às garantias de Estado então susceptíveis de serem concedidas.

Nos finais de 2010 e no 1º semestre de 2011, foram os bancos portugueses que acorreram para suprir as dificuldades financeiras do Estado – aliás, cumprindo um dever patriótico.

Acabaram os bancos por ser, eles, muito afectados pela crise da dívida soberana, que abriu um ciclo em que o conjunto do sector bancário português vem registando resultados negativos (perdas da ordem dos 1,2 Bi em 2011 e mais de 1,5 Bi em 2012).

No quadro de fragmentação financeira a que assistimos, os bancos portugueses vêm trabalhando num contexto muito adverso e de significativas desvantagens competitivas quando comparados com os bancos da maioria dos países da Zona Euro:

  • O rating dos bancos está muito penalizado pela crise da dívida soberana
  • Não têm acesso a MMI
  • Apesar do recurso ao BCE, que representa 12,3% do funding, o custo global do financiamento à banca portuguesa é bem mais elevado do que em bancos de outros países
  • A margem financeira está sob forte pressão, dado o peso do stock de crédito com muitas baixas de taxas de juro

Taxa de juro implícita média Prestação média
2008 5,98% € 369
2011 2,71% € 295
2012 1,70% € 268

  • A recessão económica e as medidas de austeridade do PAEF provocaram um significativo aumento da taxa de incumprimento e a necessidade de registar imparidades e reforçar provisões
  • Neste contexto, as novas exigências de capital impostas pelo PAEF obrigaram os bancos a aplicar critérios mais rigorosos e selectivos na atribuição de crédito, com o ónus de imagem de não concederem crédito à economia
  • A evolução do mercado de capitais, em boa parte resultante da crise da dívida soberana, vem penalizando fortemente os accionistas e não incentiva a entrada de novos accionistas, dificultando a sua participação em aumentos de capital
  • O Estado aplicou um imposto extraordinário sobre os bancos e pode vir a aplicar um imposto sobre transacções financeiras que pode não se aplicar em outros Estados Membros
  • Os bancos portugueses tiveram de substituir os bancos internacionais no financiamento da EP’s
  • Os bancos registaram perdas actuariais pela transferência dos Fundos de Pensões para o Estado
  • Iniciativas legislativas que procuram proteger os consumidores em incumprimento no crédito à habitação por motivos extraordinários não se aplicam em quase nenhum país europeu
  • Por força de uma interpretação à letra das regras de concorrência, por parte da DGComp, na aplicação da linha de recapitalização dos bancos prevista no Programa de Assistência Económica e Financeira, o custo pago pelos bancos que a ela recorreram é extremamente elevado (a taxa de remunerações dos CoCo’s é, no mínimo 8,5%).

Por estas razões se pode entender que o maior problema actual dos bancos está na rentabilidade. A pressão sob a margem financeira, o registo de imparidades, a carga fiscal e o impacto nos custos de novas exigências originaram que a actividade doméstica dos bancos tenha resultados negativos ou fracos.

Mas a solvência das instituições bancárias atingiu os maiores rácios de capital de sempre e, como referi, a liquidez está confortável.

Em resumo, a banca portuguesa tem cumprido escrupulosamente as suas responsabilidades, revelando uma assinalável capacidade de modernização ao longo das últimas décadas e uma resiliência notável face às conjunturas muito difíceis, que já vão no 5º ano consecutivo.

Os bancos portugueses continuarão a contribuir para a estabilidade financeira e cumprirão a sua missão insubstituível de financiar a economia ao mesmo tempo que seguirão a melhorar o serviço de proximidade, que optimizarão a oferta de produtos diversificada e segmentada, que manterão os seus serviços em constante inovação e continuarão a apostar decisivamente no seu papel social.

Senhores Deputados

Como sabem, os bancos têm duas fontes básicas de proveitos:

- A margem financeira (diferença entre os juros cobrados pelos créditos concedidos e os juros pagos aos aforradores) e as comissões

Em 2011, a banca nacional realizou 5,1 Bi de margem financeira e 3,3 Bi de comissões.

Entretanto, os seus custos operacionais atingiram 5,7 Bi e as imparidades registadas totalizaram outros 5,7 Bi.

A situação deficitária é insustentável para o País a médio e longo prazo.

De facto, a estabilidade do sistema financeiro e o fortalecimento dos bancos, para assegurarem o financiamento de economia e contribuírem na 1ª linha para a passagem da recessão para o crescimento, requerem elevados rácios de capital.

Os prejuízos dos bancos não só se repercutem nos capitais próprios como desincentivam qualquer investidor.

Actuar administrativamente sob uma das fontes principais de receitas dos bancos pode ter várias consequências muito negativas:

- Ao fixar administrativamente um “plafond” para as comissões, estas tenderão a aproximar-se do máximo

- Diminui a concorrência entre bancos e

- Tendo os bancos que cobrir custos, poderá haver necessidade de transferência desta receita para a margem financeira, aumentando a taxa de juro das operações activas, o que prejudica a economia, o emprego, o consumidor.

Acresce um outro facto muito importante: no conjunto do sistema bancário europeu, as comissões foram sempre uma fonte de proveito sujeita a grande diversidade em função dos modelos de negócio e do grau de desenvolvimento e riqueza do País e, em termos comparativos, os valores de comissionamento em Portugal encontram-se alinhados por métricas europeias, situando-se na média.

Limitei-me a tecer considerações de ordem geral que, do nosso ponto de vista, devem levar à rejeição do diploma, mas isso não absolve o projecto de críticas de ordem técnica e de especialidade que apenas abordaremos se entenderem necessário.

Fernando Faria de Oliveira

Presidente da Associação Portuguesa de Bancos