24 de Janeiro, 2024

Reuters: O que é importante o próximo Governo fazer em termos de reformas e de foco na política pública? Controle do défice, descida de dívida? Que reformas deviam ser feitas já que o país tem um 'calcanhar de Aquiles' que é a baixa produtividade?

Vitor Bento: "Eu disse há pouco tempo, numa outra entrevista, usando outro chapéu, que uma das coisas mais importantes é assegurar uma boa 'governance' na Administração Pública. Acho que Portugal tem uma 'governance pública' muito frágil e que se tem deteriorado ao longo do tempo e isso impacta na eficácia das políticas públicas".

"Acho que essa é uma área que seria importante que os políticos e os governantes dessem mais atenção do que têm dado até agora".

"Portugal tem o desafio da produtividade. A produtividade é a chave que permite juntar uma série de peças nomeadamente numa economia, numa sociedade, que está em envelhecimento e portanto com cada vez mais gente dependente dos processos redistributivos (da riqueza) e menos gente a produzir. A produtividade é uma chave para assegurar que não há perdas no processo, isto é que há capacidade para gerar mais rendimento por menos (pessoas) a produzirem para poder distribuir por mais (pessoas) a consumirem - seja os que produzem, sejam os que, por natureza das coisas, deixaram de produzir. Como imagina não lhe vou dar um programa político pormenorizado porque não é a minha função".

"Mas estas duas áreas são claramente importante e estão interligadas".

Reuters: Para a credibilidade externa do país, o novo Governo devia manter a política de 'contas equilibradas' e continuar a reduzir o rácio de dívida pública?

Vitor Bento: "Isso não é só para efeitos de imagem externa, isso tem a ver com a própria sustentabilidade do país porque nós (Portugal) passámos pela experiência, ainda há pouco tempo, de ver quais os custos económicos e sociais que o descuido dessas variáveis tem. Julgo que, depois de termos passado por essa experiência, essa realidade ficou suficientemente enraizada, já não é um tema de disputa e já faz parte de um consenso alargado na esfera política que sem sustentabilidade financeira não há sustentabilidade económica, nem sustentabilidade social".

Reuters: Isso é positivo...

Vitor Bento: "Sim, claramente e mostra como estas questões culturais, com o tempo, vão sendo adquiridas. Seria desejável que nós conseguissemos adquirir esses princípios sem ter de passar pelo sofrimento da experiência negativa. Isto é, se conseguíssemos chegar a conclusões satisfatórias através dos processos racionais, sem ter de passar pela demonstração do sofrimento na realidade".

Reuters: Alguns partidos, sobretudo a AD, mas também, de alguma forma, o Partido Socialista, têm proposto continuar a descer impostos, apesar de que o foco parece ser mais do lado da AD do que do lado do PS, nessa descida do IRC e também do IRS. Esta devia ser uma das prioridades?

Vitor Bento: "Isso é entrar claramente numa matéria de disputa política e de preferências sociais, e isso faz parte da essência da democracia. Há de haver, seguramente, quem prefira mais para um lado, quem prefira mais para o outro, quem prefira acentuar os aspectos distributivos e sociais, há quem queira acentuar mais os aspectos de eficiência. Portanto, eu não vou entrar nesse debate, nesta circunstância em que estamos aqui a conversar".

"Mas refiro um dos pontos: é que, no caso do IRC, é importante ser feita alguma coisa, porque a nossa taxa de IRC toda somada - com as derramas e tudo o mais - é a mais elevada, e temos associado a isso um dos crescimentos mais baixos".

"O facto de nós termos uma (taxa de) IRC que, com as alcavalas, nomeadamente as derramas, é progressiva, nós, na prática, estamos a taxar a acumulação de capital e, portanto, nós estamos a desincentivar a acumulação de capital".

"E, sem acumulação de capital, nós não conseguimos criar as condições para o aumento da produtividade porque o crescimento do capital permite ter empresas de maior dimensão, empresas de maior dimensão conseguem ter economias de escala e, portanto, conseguem ter mais rendibilidade e, tendo mais rendibilidade, podem pagar salários mais elevados".

"E esta adversidade que existe da acumulação de capital é uma das principais fontes onde assenta a economia dos baixos salários".

"Portanto, era importante, de facto, atuar nessa frente, seja quem for o governo. É do interesse de qualquer governo, seja ele qual for. Depois a preferência de política que tenha, mais à esquerda ou mais à direita, é do seu interesse ter um modelo que sustente salários mais elevados". "Isso precisa de empresas maiores, com mais capital e, portanto, também que possam gerar lucros mais volumosos, o que não significa, necessariamente, mais rendibilidade".

Reuters: Vários partidos, desde o Chega, ao Bloco de Esquerda, a PCP, querem que o próximo governo imponha uma taxa sobre os lucros excessivos, ou 'windflow profits' da banca. O Chega propôs uma taxa de 40% dos lucros excedentários, por aquilo que se sabe. Estes partidos podem ser, de cada um à sua maneira, chave para formar um governo em Portugal ou influenciar o próximo governo. O que é que acha desta proposta? Isto é populismo puro? Isto pode provocar mesmo uma perda substancial de rentabilidade na banca, que possa afetar o setor sedimentar?

Vitor Bento: "Vamos por partes. Em primeiro lugar, eu não sei o que são lucros excessivos. Eu imagino que quem utiliza o termo de lucros excessivos, esteja a olhar para uma determinada linha acima da qual se considera um excesso".

"Bom, mas então se acima dessa linha há um excesso, abaixo dessa linha há uma deficiência. E, portanto, por uma questão de simetria, se se acha que quando a rendibilidade está transitoriamente acima dessa linha, deverá ser taxada. Então, nesse caso, por simetria de raciocínio, quando estiver abaixo dessa linha deve ser subsidiada".

"É esse o entendimento? Para termos racionalidade, é esse o entendimento? Duvido que seja". "Isto é só para mostrar a irracionalidade da temática dos lucros excessivos".

"Lucros excessivos só existirão em modelos económicos onde não haja concorrência. Porque a concorrência, inevitavelmente, eliminará tudo aquilo que possa ser excessivo, seja lucros, seja aquilo que for".

"Nós em Portugal temos essas condições de concorrência eficaz. Nós temos um número muito grande de instituições de crédito, as pessoas em geral só olham para dois ou três, mas nós temos muitas instituições de crédito. Só bancos temos uns 30 e tal, quer dizer, só bancos domésticos temos 17, mais 8 filiais, mais 30 e tal sucursais".

"Nós temos muitos bancos em concorrência e isso, pela natureza das coisas, impede que haja condições para lucros excessivos".

"O que acontece é que, como em tudo na economia, há processos cíclicos e a rendibilidade dos bancos - tudo o resto igual - depende também da ciclicidade da economia".

"Nas alturas em que as taxas de juros sobem, há um período transitório onde a rendibilidade sobe porque a velocidade de ajustamento das taxas activas e passivas é diferente, da mesma forma que quando as taxas descem, essa diferença traduz-se numa redução de rendibilidade".

"Também, quando o ciclo económico está numa fase de ascensão, há menos risco de crédito, portanto há menos risco de imparidades, também favorece a rendibilidade; quando o ciclo económico está numa fase de descida, portanto numa fase de contração, aumenta a probabilidade de materialização de risco de crédito e de imparidades".

"Portanto, há uma componente cíclica dentro da própria rendibilidade da economia e é nessa fase que estamos".

"Nós, nomeadamente, no ano de 2023, estivemos numa fase pontual do alto desse ciclo, mas isto, com o tempo, vai-se naturalmente esvaindo, como aliás já está a acontecer noutros países. Não sei até se não foi notícia da Reuters, que quer nos Estados Unidos, quer inclusive na nossa vizinha Espanha, já há sinais de a margem de lucros estar a contrair no sector bancário".

"Da mesma forma que, se nós olharmos para trás, nós tivemos não sei quantos anos de rendibilidade muito, muito subpar. Já não vou aos anos da rendibilidade negativa, mas nós tivemos muitos anos com a rendibilidade subpar - este (2023) terá sido talvez o primeiro ano de excepção - e sobretudo tivemos sempre a rendibilidade média abaixo do custo do capital".

Reuters: Estes 14,6% de rentabilidade (ROE) nos nove meses até ao terceiro trimestre de 2023, provavelmente é um recorde nos últimos anos.

Vitor Bento: "Sim, em termos de média é".

Reuters: Este nível de ROE provavelmente não é sustentável?

Vitor Bento: "Eu não me admiraria que, até ao final do ano, a coisa ainda melhorasse marginalmente pelo efeito cumulativo dos efeitos do ano. Mas é óbvio que isso, com o tempo, vai começar a contrair".

"Por outro lado, o aumento das taxas de juros também aumentou o custo do capital, quer na banca, quer nos outros setores".

"Nós, nos anos em que as taxas de juros andaram próximo do zero, a estimativa que nós tínhamos - e muitas outras fontes nacionais e internacionais apontavam - é que o custo do capital na banca europeia andava entre os 8% e os 10%".

"Portanto, foi normalmente com esse horizonte que nós trabalhámos durante muito tempo. Entretanto, as taxas de juros subiram 4 pontos percentuais. E portanto, o custo do capital também nas nossas estimativas terão aumentado 4 pontos percentuais e terão passado para entre 12% e 14%, à volta disso".

"Mas, para utilizar uma fonte externa, numa entrevista recente, de Dezembro salvo erro, dada pelo presidente do SSM, Andrea Enria, ao Expansion ele indicava que a estimativa do BCE é que o custo do capital da banca europeia no final do segundo trimestre era 13,2%".

"Estamos, pela primeira vez, (em rendibilidade) acima (do custo de capital). Seguramente, pela primeira vez, comparando com um período anterior a 2008 - o primeiro impacto da crise financeira.

Reuters: Então, o que é que tem a dizer destas propostas dos partidos para tributar os lucros excessivos?

Vitor Bento: "Enfim, a única coisa que eu acho que é importante ter em conta é que a sociedade como um todo, e obviamente a representação política, tem que ter em conta os efeitos sistémicos das medidas que queira tomar e portanto, dos incentivos que as suas medidas possam criar".

"Determinadas medidas podem ter um efeito desejável no curto prazo, mas podem ter efeitos negativos no longo prazo".

"E voltando à questão da rendibilidade, o que nós continuamos a ver, nós em Portugal só temos um banco cotado para servir de exemplo, mas na Europa temos vários bancos cotados e aquilo que nós continuamos a ver é que a cotação desses bancos está abaixo do seu valor contabilístico".

"Isto significa que o mercado, os investidores,consideram que os bancos não estão ainda em condições de proporcionar uma rendibilidade sustentável acima do custo do capital".

"Nós em Portugal só temos um caso para mostrar, e aí, enfim, poderia ser um caso isolado, mas se alargarmos à Europa aquilo que nós vemos é que o valor que o mercado atribui aos bancos é abaixo do seu valor contabilístico, o que quer dizer, portanto, que a taxa de rendibilidade sustentável está abaixo daquilo que é o custo de capital".

"Por isso é que eles têm que baixar o valor do mercado para que os lucros gerem uma taxa de rendibilidade calculada, não sobre o valor contabilístico, mas sobre o valor do mercado, uma taxa que possa compensar o custo do capital".

"No fundo, aquilo que o desconto de cotação dá, isto muito simplificadamente, é o valor que equaliza a rendibilidade estimada nessa base face ao custo do capital do mercado".

"Portanto, têm que baixar o valor para que a rendibilidade suba, para poderem equalizar o custo de capital numa base sustentável".

Reuters: Mas se em Portugal for imposto uma taxa destas, como é que ficará a banca portuguesa? Já que estamos a falar de uma rendibilidade que será decrescente, a partir de agora, com a provavelmente com a inversão do ciclo de taxas directoras, se calhar a partir do próximo trimestre, porque a margem já não vai ajudar tanto a banca. Quais é que podem ser os riscos para a banca se uma taxa tipo a italiana fosse adoptada?

Vitor Bento: "Primeiro, recordo que mesmo as experiências lá de fora foram sucessivamente revistas, precisamente porque se foi percebendo a iniquidade da medida, face àquilo que era a intenção desejada e ao resultado que ela provocava, via-se a iniquidade criada".

"No caso português, já existe muita fiscalidade diferenciada sobre a banca portuguesa, desde as contribuições para os dois fundos de resolução - o Fundo Nacional e o Fundo Europeu. O adicional de solidariedade, que ainda recentemente a Provedora de Justiça reconheceu que tinha sérias questões constitucionais e recomendou ao Ministro das Finanças que acabasse com ele, coisa que ainda não aconteceu, o que significa, que há uma recomendação da Provedora de Justiça cujo cumprimento está em falta por parte do Governo".

"Portanto, a banca portuguesa já tem esse diferencial negativo. Qualquer outra iniciativa que aumente esse diferencial desfavorável da banca portuguesa, significa que as suas condições concorrenciais no espaço europeu, e o espaço europeu é um espaço aberto, vão ficar prejudicadas".

"O que significa que isso é um incentivo à atividade bancária localizada fora do país. E, portanto, para que os bancos que estão localizados fora do país possam vir concorrer em condições muito mais vantajosas, desviando o negócio, e sobretudo o negócio mais rentável, e ao desviar o negócio desviam o emprego e desviam o potencial de criação de valor acrescentado e diminuindo o potencial de valor acrescentado, diminui, no fundo, a própria cobrança de impostos".

"Portanto, a taxa pode aumentar e a cobrança diminui por desvio do valor criado de Portugal para o exterior".

Reuters: A sustentabilidade da banca em Portugal podia ser afetada, estou a falar de geração de resultados.

Vitor Bento: "Obviamente, que um aumento de taxa de imposto é sempre negativo para a rendibilidade seja daquilo que for. Nós depois temos que ver para além disso, ver quais são as consequências disso. Quem decide aumentar uma taxa de imposto é com uma determinada finalidade. O ponto é que, como se raciocina pouco sistemicamente, apenas se avalia o efeito imediato que uma medida tem. Não se avaliam depois as repercussões sucessivas que essa medida vai tendo no sistema e acaba por gerar um conjunto de consequências indesejáveis que essas é que são as que vão prevalecer e, portanto, na prática é um incentivo à transferência da atividade bancária de Portugal para fora do país".

Reuters: Quais foram os níveis do ROE nos últimos 5, 15 anos, eu gostava de ver numa série mais longa?

Vitor Bento: "Para que o ROE médio acumulado desde 2011 fosse 0%, era preciso que em 2023 a rendibilidade fosse 18%".

"Entre 2015 e 2022, o ROE médio acumulado terá sido na ordem dos 2,4% (versus 4,9% na área do euro). Fazendo a média, desde 2008, seria 0,7%. Nenhum destes números inclui ainda 2023, porque ainda não temos o ano fechado.

"O custo capital desde 2015, desde que as taxas vieram para 0%, até 2022 andava entre 8% e 10%. A rendibilidade não foi suficiente para pagar o custo capital, nós andamos a dizer isto há anos".

"E o próprio capital dos bancos aumentou significativamente pois, enquanto em 2008 o sistema bancário tinha cerca de 26 mil milhões de euros de capital, no final de 2022 tinha 36 mil milhões não obstante o próprio activo se ter contraído, descendo de 474,3 mil milhoes de euros para 442,5 mil milhoes de euros. Portanto, o rácio de capital aumentou muito significativamente".

"Foi feito um esforço muito grande de ajustamento, quer de tornar o balanço mais robusto, quer de aumento de capital, quer da própria eficiência. O próprio rácio de cost-to-income reduziu-se também significativamente". "Em 2008 seria 55,6%, mas depois, nos períodos em que o income desceu muito, chegou a chegar aos 70% e em 2022 estava em 50%".

"Foi feito um esforço muito grande também na própria eficiência do sistema. Aqui há um outro elemento que é importante também ter em conta, é que durante este período os bancos foram sobre-carregados com uma série de outros custos adicionais, nomeadamente os bancos hoje prestam aquilo que pode ser considerado como um serviço público, que é o facto de terem um trabalho muito ativo na prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, que implica dedicar muitos recursos internos a essa actividade de compliance, que obviamente isso aumenta a estrutura de custos. Não obstante isso conseguiram reduzir o cost-to-income".

Reuters: Os bancos estão mais robustos, são mais eficientes, fizeram um trabalho incrível na redução do mal-parado. Mas a rendibilidade provavelmente vai começar a descer, quais são os níveis que acha que poderão descer?

Vitor Bento: "Eu não consigo dar uma previsão daquilo que vai acontecer, mas o que eu acredito que vai acontecer - obviamente isso vai depender muito de banco para o banco - é que as equipas de gestão dos bancos vão ter o desafio, que é um desafio permanente, de tentar superar o custo de capital, porque é essa obrigação que têm para com os seus acionistas, eles têm obrigação para com os seus acionistas conseguir remunerar-lhes o capital acima do custo do capital".

"Eles vão lutar contra as adversidades que têm pela frente, nomeadamente as adversidades regulatórias, inclusive de natureza fiscal, como aquelas que já existem, e no fundo, é como correrem, correrem, enfim, numa competição de atletismo com um saco de tijolos às costas".

"Os nossos bancos têm de facto condições diferenciadas face ao resto da Europa, têm uma série de restrições, quer restrições em comissões, outras restrições, carga fiscal adicional extraordinária. Tudo isso, no fundo, é como se tivessem a pôr tijolos às costas do corredor quando correm contra os concorrentes estrangeiros que correm apenas utilizando uma expressão muito popular de 'corpinho bem feito'".

Reuters: Os bancos com sede em Portugal, com a estrutura em Portugal, estão já neste momento numa situação de desvantagem?

Vitor Bento: "Estão numa posição de desvantagem criada por adicionais regulatórios nacionais, nomeadamente fiscais e alguns de natureza legal, como a restrição de preços pois não poderem cobrar comissões nuns sítios, ter que fornecer determinados serviços gratuitamente, que não existe lá fora, é um peso de adversidade concorrencial que os bancos têm que enfrentar".

"Enfim, é uma desvantagem para os bancos nacionais. Somando tudo isto, o esforço que todos os CEOs vão fazer, não tenho dúvidas sobre isso, é tentar manter dentro do possível a rendibilidade acima do custo de capital para puderem atrair capital".

"É importante perceber que isso é do interesse da economia. A economia precisa de uma banca forte, de uma banca sólida para apoiar o seu crescimento. A economia para poder crescer precisa ter financiamento também a acompanhar esse crescimento. Para que os bancos possam dar financiamento crescente, têm que ter capacidade de atrair capital proprio. Para atrair capital próprio têm que ter rendibilidade. Portanto, a rendibilidade elevada é do interesse da economia como um todo. É do interesse das famílias e é do interesse das empresas.

Reuters: Então não acha que os bancos estejam a ter lucros excessivos?

Vitor Bento: "Eu volto ao comentário que fiz do início: eu não sei o que são lucros excessivos. Lucros excessivos é uma coisa que só existe em mercados onde não há concorrência. Em Portugal é impossível a cartelização pelo número de instituições concorrentes".

Reuters: Mas os cinco maiores bancos têm mais de 80% dos activo, credito e depositos...

Vitor Bento: "O que significa que se eles (os cinco maiores bancos) se quiserem fechar à concorrência, os outros bancos todos têm um incentivo para ganharem quota de mercado, para crescerem. Todos os outros têm um grande incentivo para crescer. Qual é a forma de crescerem? É conseguirem ser concorrencialmente mais vantajosos do que aqueles que se pretendem fechar. Tudo o que temos de facto aponta no sentido de que somos um mercado concorrencial, onde a concorrência tem eficácia de facto".

"Nós vimos isso recentemente. A propósito deste processo de transição veja a quantidade de créditos de habitação que foram transferidos de uns bancos para os outros, onde os clientes andaram à procura onde era mais vantajoso e transferiram esses crédito de um lado para os outro". "Viu-se na concorrência com os depósitos, à procura dos bancos que remuneravam melhor. Houve transferências de depósitos de uns bancos para os outros, houve transferência para certificados".

"Isto é a prova mais do que clara do que o nosso mercado é concorrencial e tem as condições para evitar tudo o que seja rendibilidade excessiva do ponto de vista económico. Agora, obviamente, do ponto de vista fantasioso, depende da definição que cada um der".

Reuters: Portanto, é populismo ou não estas propostas? Eu sei que está a tentar evitar qualificar.

Vitor Bento: "Estou a tentar evitar precisamente. Eu não quero fixar-me numa palavra que retire o conteúdo de tudo o resto que estou a dizer.

Reuters: Vamos ao mal-parado. Portugal teve um pico de 17,9% em Junho de 2016 e no terceiro trimestre de 2023 em 2,9%? Teme uma nova subida do credito mal-parado? Por enquanto não há desemprego visível...

Vitor Bento: "Estas variáveis, a rendibilidade em geral e as variáveis que contribuem para a rendibilidade da banca, têm uma componente cíclica importante, acompanham o ciclo das taxas de juros e acompanha o ciclo da economia".

"No ciclo da economia, como disse, isso manifesta-se no risco de crédito. Portanto, no aumento do risco de crédito ou na baixa do risco de crédito, quando o ciclo está a baixar, o risco e a probabilidade de imparidades aumenta. Quando a atividade está a subir, isso diminui". "Obviamente, nós vamos passar por altos e baixos. Se passamos por uma fase mais baixa, esse risco aumentará face à fase actual".

"Mas de qualquer das formas é altamente improvável, por várias razões que podemos falar, que se volta alguma vez àquilo que foi a situação na outra crise financeira, portanto, de há uma dúzia de anos atrás".

"Essa situação é altamente improvável, por várias razões, entre outras coisas, porque hoje as exigências de capital são muito maiores, a supervisão é muito mais apertada e a governance também mudou substancialmente, mudou substancialmente e torunou-se muito melhor".

"Assistiremos a uma evolução cíclica das imparidades e do crédito mal-parado, mas à volta de uma normal relativamente baixa. Para o sistema todo esse trabalho está basicamente feito".

"Os bancos portugueses hoje em dia podem comparar-se com quaisquer outros bancos europeus. Hoje em dia, já não temos nenhum problema de comparação, seja naquilo que for. Como, aliás, em todos os mercados e cross the border, há sempre bancos que são melhores, há bancos que são menos bons, em determinados indicadores. Em cada país há bancos melhores, em cada país, vai à Espanha, vai à França, mas all in all, os bancos portugueses hoje já comparam com os bancos europeus sem problemas.

"Comparam em termos de potencial de rendibilidade, em termos de capital, em termos de crédito malparado, em termos de capacidade de gestão, em termos de qualidade de governance".

Reuters: O sistema é competitivo, mas a questão é que é...

Vitor Bento: "Sim, o sistema é competitivo. O nosso mercado é um mercado concorrencial, eu percebo certas percepções (contrárias) que existem, mas os números desmentem isso. Insisto neste ponto, mesmo que haja uma concentração num número mais limitado de bancos que tenham uma quota em conjunto muito grande, isso é um incentivo muito grande para que os outros disputem essa quota".

"Nós vimos isso no crédito da habitação, isso foi muito visível nestes períodos. Este período que nós atravessamos foi um período que mostrou muito claramente a concorrência a funcionar de uma forma muito activa e muito eficaz".

"Outra coisa que também gostava de dizer é que, a propósito de termos uma banca sólida e uma banca rentável, é que isso permite, que a banca possa atender aos momentos de dificuldade da economia como aconteceu no tempo da pandemia, que foi um tempo de maior incerteza que nós vivemos nos últimos anos, e a banca esteve lá a ajudar as empresas e as famílias".

"É certo que a crise se revelou transitória, mas quando entrámos na crise, ninguém via a saída (da pandemia). Quando se entrou na crise e quando foi necessário decidir os apoios, ninguém via ainda a saída.

Reuters: Dado o quadro atual das instituições, das maiores instituições em Portugal, acha que vai ser inevitável maior consolidação entre os maiores bancos portugueses?

Vitor Bento: "Não faço a mínima ideia, e como compreenderá, nesta posição, isso é uma matéria sobre a qual eu não pronuncio, porque isso depende quer dos actores de mercado, quer do próprio mercado".

"O único juízo que eu me atrevo a fazer foi aquilo que eu já te fiz, que o mercado seja concorrencial. E, portanto, que haja um número e condições de funcionamento desse mercado para que ele seja eficazmente concorrencial. Essa é uma necessidade que é do interesse de toda a gente, do interesse social, salvo aguardar essas condições. Fora disso, como é que elas são asseguradas, se é de uma maneira ou de outra, isso agora depende dos actores do mercado, nomeadamente, nesse caso, dos investidores, quais são os caminhos que melhor servem os seus propósitos".

"Eu tenho um conjunto de associados que fazem parte desta associação (APB), eles próprios terão as suas estratégias ofensivas, ou defensivas, e eu não vou dar nenhum sinal que possa ser perturbador para as suas estratégias ou para as suas próprias visões, nem vou contrariar". "Admito até que haja visões diferenciadas entre eles e, por isso mesmo, eu não vou interferir nessas visões".

Reuters: Vou para o último tema. Com estes lucros, com estes lucros, acho que os cinco maiores eram subidos a 75% para 3,3 bilhões, e os maiores em setembro, os bancos deviam aproveitar este bom momento cíclico, digamos assim, conjuntural, para reforçar ainda mais os capitais ou já têm níveis de, CET1 robustos, e não é necessário, mesmo com todos os incertezas e riscos que temos no horizonte económico?

Vitor Bento: "Os bancos em Portugal estão suficientemente capitalizados e não têm, atualmente, um problema de capital. O crescimento da base de capital dependerá das estratégias que cada um tenha, quer das estratégias de crescimento, quer as estratégias de reforço que cada um tenha. Não há necessariamente uma recomendação que tenha que ser universal, porque, mais uma vez, isso iria contrariar a concorrência. Isso faz parte da essência da concorrência, em termos estratégicos, que cada um e cada base de investidores tenha a sua própria estratégia de desenvolvimento, onde uns preferirão uma coisa, outros preferirão outra".

"Convém termos, é presente que o normal, numa economia de mercado, geradora de lucros, é que os lucros possam acorrer aos investidores. Os investidores investem para obter remuneração e não é nenhum anátema que os lucros sejam distribuídos aos investidores que puseram o capital que gerou esses lucros. É importante tirar esse anátema do caminho".

"Fora isso, cada um, cada unidade, tem a sua própria estratégia e acredito que não haja uma estratégia única. Quando os bancos estavam sub-capitalizados ou estavam muito à beira (da sub-capitalização), aí poderia uma estratégia única, só havia um caminho, e todos tinham de se capitalizar, de uma maneira ou de outra".

"Neste momento, havendo tranquilidade nessa frente, cada um tem a sua estratégia e não há necessariamente uma estratégia uniforme, os supervisores estarão atentos, enfim, aos aspectos que entendam que podem precisar mais ou menos de prudência, possam ter mais ou menos necessidade de prudência distributiva, pode haver situações diferenciais, mas o supervisor e as administrações de cada um dos bancos saberá disso, mas isso são questões individuais, não são colectivas, e portanto, não há nenhuma recomendação, pelo menos, que eu possa e muito menos deva fazer".

 

(Por Sérgio Gonçalves; Editado por Patrícia Vicente Rua)

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