3º Painel – Banca
Professor Doutor António de Sousa

Agradeço o convite que me foi dirigido para estar presente nesta Conferência “O Direito e a Economia: Que Lições? Que Perspectivas para o Futuro?” e congratulo o IDEFF pelas sucessivas iniciativas que tem tomado nesta área e nas quais tenho participado várias vezes com todo o gosto.

Depois das duas exposições que ouvimos, e que abordaram praticamente todos os temas sobre os quais me propunha falar, irei tentar fazer uma síntese do que já foi dito.

De qualquer forma adianto que dividi a minha apresentação em quatro áreas: as causas da actual crise; como é que se comportaram os actores ou agentes; as lições a tirar; as perspectivas e aspectos que não estamos a saber aproveitar.

Em relação às causas. As duas causas fundamentais foram claramente o dinheiro fácil e a desregulamentação. Ambas têm origem na mesma pessoa, cujo nome já foi aqui mencionado e que corporizou essa expressão e essa tendência, o Sr. Alan Greenspan. Não foi, obviamente, só o Sr. Alan Greenspan, mas toda a Reserva Federal dos EUA. Creio mesmo que não terá tido necessidade de convencer os seus colegas, pois alguns deles apoiavam mais essas teorias do que o próprio A. Greenspan, embora tenha sido ele a assumir o papel mais emblemático. Na Europa, foi o Reino Unido o país que mais directamente sofreu com essa política. Bom, em que é que se traduziu esta política de dinheiro fácil e desregulamentação, em simultâneo? Por um lado, em taxas de juro baixas. Por outro lado, criaram-se artificialmente condições para baixar a solvabilidade dos bancos. Mais adiante já falarei, um pouco, do desastre que tem sido Basileia II, que demorou tanto a ser discutida e nunca chegou a ser bem implementada. E, na parte que foi implementada, foi desastrosa. Aliás, neste momento, tudo o que se faz e tudo o que se tem vindo a estudar, em termos de regulamentação é precisamente o inverso do que foi previsto em Basileia II. Já se falou aqui de market value, ou de fair value, mas há que referir todos os aspectos ligados à própria pró-ciclicidade da maior parte dessas medidas. Esta situação de taxas baixas e da artificialmente baixa solvabilidade - digo artificialmente baixa, tanto por causa dos modelos incorporados em Basileia II e que começaram a ser utilizados por alguns bancos, mas também por aspectos que já aqui foram referidos, como a securitização e o facto de se passar para fora do balanço uma boa parte do risco dos bancos. Obviamente, isto acabou por ser uma forma artificial de poder trabalhar uma solvabilidade que aparentava ser relativamente alta mas que, na prática, era bastante baixa.

Depois, sabemos que o subprime foi, em termos práticos, um detonador da crise, em simultâneo com os leverage buy outs que invadiram o mercado e prevaleceram durante uma boa parte do período a partir 2003. Todo o investimento que foi feito em termos de compra de activos financeiros, nomeadamente acções, empréstimos… enfim, tudo aspectos que já foram aqui referidos e que decorreram directamente do dinheiro fácil.

A desregulamentação tem muito a ver com a inovação financeira e a, propositada, não regulamentação da inovação financeira. Lembro-me, por exemplo, da discussão sobre a necessidade, ou não, de haver algum tipo de regulamentação, ainda que ligeira, nem que fosse só de informação estatística sobre os hedge funds, ou sobre os fundos especiais de investimento, em geral, e que foi, sucessivamente, posta de lado pelos reguladores em termos internacionais. Apesar do Banco Central Europeu, ter tentado seguir pela perspectiva da regulamentação. Isto leva ao aparecimento de todo um conjunto de produtos tão complexos que os compradores não os percebiam - diria que, muitas vezes, nem os próprios originadores conheciam bem os riscos. Estes produtos complexos são, também, baseados na ideia de que para qualquer produto há sempre um preço, dentro de uma análise risco/rentabilidade. Contudo, o problema é quando, pura e simplesmente não há comprador, qualquer que seja o preço, porque o mercado fechou – assistimos a isso há um ano. Assim, uma lição a tirar desta crise é que nem sempre há mercado, qualquer que seja o preço.

E, depois, acabando a desregulamentação numa Basileia II que, apesar de todos os comentários que oportunamente foram feitos, foi ainda mais pró-cíclica do que pensei quando participei em algumas dessas discussões, no final dos anos 90. Apesar de todos os comentários que foram feitos, a tendência foi para a pró-ciclicidade ajudada, não só pelos acordos que foram feitos em Basileia, mas também por aquilo que foi a contabilidade filosófica - para utilizar a expressão do Dr. Carlos Rodrigues.

Eu diria, que mais do que filosofia, é quase poesia. Algumas das normas, sobre as quais tenho as maiores dúvidas, são poesia surrealista - não entendo qual o sentido de grande parte delas, nem o interesse da adopção dos International Accounting Standards, por exemplo. Ao tentar dar transparência aos mercados e aos balanços, tornaram-no mais subjectivo, uma vez que os critérios se baseiam na subjectividade da interpretação do autor dessas mesmas contas. Por exemplo, o valor histórico podia estar completamente desfasado da realidade mas percebia-se o que era. Agora o fair value não se percebe o que é. E, pior que isso, pode haver não sei quantos fair value, como foi dito. Em Portugal, na altura, ainda se chegou a discutir que o fair value, para certo tipo de activos que estão no balanço de vários bancos, fosse o mesmo para todos os bancos. Mas nem sobre isso houve acordo, pois, dentro do espírito de desregulamentação, seria considerado uma imposição das autoridades de regulação, o que não seria aceitável ou conveniente de considerar.

Como sabemos, estas duas grandes causas deram origem a muitas consequências. Apenas vou citar aqui duas. As bolhas especulativas a que todos assistimos no imobiliário – e não só a bolha especulativa em si, mas todo o aspecto psicológico que está subjacente a isso e ao que aconteceu depois, que foi cair de uma espécie de sonho colectivo para a realidade de uma forma muito rápida. Ou seja, a bolha especulativa criada deu origem, como referiu também o Sr. Greenspan, a uma “exuberância racional” nos diversos mercados. Ele falou disso creio que em 1997-1998, dizendo que não percebia como é que a bolsa subia tanto. Bom, se compararmos a exuberância racional de 1997-1998 com a que estava a acontecer em 2006-2007, no imobiliário e também noutros activos financeiros, como as próprias acções, vemos que em 1996-1997-1998, a situação era muito controlada, comparada com o que aconteceu posteriormente. Foi um aparente efeito de riqueza que potenciou às famílias a compra de casa e que desapareceu de um momento para o outro. Claro que teve maior relevância nos países anglo-saxónicos do que na Europa continental, até pelo tipo de garantia que está associada às hipotecas, ou seja, ao devedor. Enquanto que aqui em Portugal, e na maior parte dos países europeus, o devedor é devedor ele próprio. No caso dos Estados Unidos, a dívida está associada ao bem em si, ou seja, à casa. Daí que nós vejamos, até na televisão, de uma forma muito gráfica, as chaves a serem enviadas, pura e simplesmente, pelo correio para os bancos. As pessoas abandonam a casa e o banco que fique com a casa porque a dívida fica imediatamente paga, pelo menos na maior parte dos contratos.

Bom, tudo isto deu também origem a uma segunda consequência, o sobreendividamento das famílias e das empresas. Já foi aqui suficientemente referido, não vou avançar mais sobre ele. É um facto e todos nós temos conhecimento disso. Só referiria um aspecto que me parece particularmente interessante no caso português: a forma como as famílias portuguesas têm reagido rapidamente aos estímulos da política monetária, ou seja, pondo isto de outra maneira, como têm sabido adaptar o seu encargo mensal, que é afinal o que interessa às pessoas, e não tanto a dívida total sobre o rendimento disponível, dado que estamos a comparar coisas com perfis temporais completamente diferentes - uma dívida a pagar em 20, 25 ou 30 anos, como seja uma habitação, e o rendimento disponível de um ano. Interessa muito mais comparar qual é que é a taxa de esforço, ou seja, o montante que tem que ser dedicado a pagar a dívida em relação ao montante do rendimento disponível. E as famílias portuguesas têm, realmente, reagido muito rapidamente a isso. Isso já se notou, primeiro com a descida das taxas de juro, em que aumentou substancialmente esse montante, e daí o grande endividamento das famílias. Depois quando houve uma subida das taxas de juro, no princípio dos anos 2000, por volta de 2002, houve uma modificação muito rápida dessa situação, e estamos a verificá-la outra vez este ano. E verificou-se também em 2008, de uma forma um pouco preventiva, ou seja, mostrando receio sobre qual poderia ser a evolução do rendimento disponível.

Mas se as causas são conhecidas e já foram aqui referidas muitas vezes, como é que se comportaram os actores, os agentes no mercado? A banca reagiu, fundamentalmente, aos incentivos que lhe foram dados. Por um lado, a rede de segurança artificial que lhe foi criada desde há muito tempo, a que nós em economia chamamos afinal as condições de moral hazard. E isso começou, quase não nos lembramos, com um famoso caso que sucedeu há pouco mais de 10 anos, com a salvação, até hoje bastante incompreendida e incompreensível, de um hedge fund. O primeiro hedge fund de grande dimensão, designado Long Term Capital Management (LTCM), que foi criado por dois prémios Nobel da economia e por um terceiro, que não tendo ganho o Nobel, esteve muito associado ao pricing das opções. Portanto, moral hazard tem a ver com essa rede que não existindo, sendo virtual na prática, nomeadamente nos Estados Unidos, era considerada muito presente. Daí a enorme surpresa por não ter sido salva a Lehman Brothers, depois de terem sido salvas tantas instituições. Parecia que alguma coisa de muito mais profundo teria acontecido. Creio que, daqui a uns anos, será extremamente interessante perceber por que é que a Lehman Brothers não foi salva. Eu não estou aqui a defender que devia ter sido salva. Não percebo é por que é que a Lehman não foi e os outros foram. Bom, essa dualidade de critérios - incompreensível - também se aplica neste caso. Assim, como não compreendo a salvação do LTCM nos anos 90, também não percebo por que é que não foi salva uma instituição como a Lehman Brothers que tinha, obviamente, impactos sistémicos muito superiores aos de um hedge fund, que era relativamente pequeno, comparado com o mercado financeiro dos anos 90. E, por outro lado, claramente, também a ideia ligada ao too big to fail, ou seja, se atingirmos uma dimensão suficientemente grande, a tal rede virtual de segurança há-de aparecer. A verdade é que apareceu em todos os países em que isso aconteceu, com impactos nalguns casos dramáticos. Vale a pena mencionar um caso que ainda não foi aqui referido, que é o caso da Islândia. Fazer a comparação entre o que eram os activos dos bancos ou a dimensão dos bancos islandeses, em relação ao PIB islandês, num país em que, qualquer que seja a escala utilizada, aparece como um dos mais desenvolvidos, com os melhores sistemas de todos os tipos, desde a saúde à educação, até ao próprio sistema financeiro. Viu-se qual era realmente o perigo do too big to fail porque, nesse caso, o fail foi o too big to bail, o país não foi capaz de o fazer. Todos assistimos a algo interessante que foi ver nas notícias que vale a pena ir à Islândia, que é dos destinos mais baratos do mundo, quando há dois anos era considerado um dos mais caros do mundo. Houve uma mudança radical derivada de uma falha sistémica nesta área financeira e, concretamente, de instituições bancárias.

Mas se os bancos reagiram, na minha opinião e na maior parte dos caso, como agentes económicos racionais dadas as condições que lhe foram criadas, reagindo da forma certa aos estímulos errados. E, fundamentalmente, é esse o aspecto que me parece ser aqui de referir. Infelizmente, muitas outras coisas funcionaram mal. Funcionou mal a corporate governance, nomeadamente nos próprios bancos. Não funcionaram as auditorias internas. Os modelos de gestão do risco foram muito mais orientados no sentido de jogar com o montante de rácio que se pretendia ter, e como é que isso se ajustaria ao rácio, do que efectivamente para serem verdadeiros modelos de gestão do risco bem testados. Ainda por cima, não tinha havido possibilidade, até temporal, de fazer esse ajustamento, pois não havia um número de observações suficientes. Não tinham passado vários ciclos económicos sobre eles e, além disso, a maior parte dos produtos não existia nos outros ciclos económicos e, portanto, não havia possibilidade de fazer essa mesma comparação. Portanto, os sistemas internos aos próprios bancos falharam: auditorias e modelos de gestão do risco. Mas, claramente, se há que apontar o dedo a agentes que claramente mostraram não ser capazes de desempenhar a sua função, são às empresas de rating que, aliás, continuam a não saber desempenhá-la. Neste momento, pura e simplesmente, jogam, como se costuma dizer, numa expressão corriqueira, “à defesa”, por excesso. Ou seja, assim como atribuíram dezenas de milhares de ratings “AAA”, a securitizações de formas mais ou menos incompreensíveis, entraram na área da consultadoria - o que mostra claramente um conflito de interesses - explicaram, inclusive, quais eram os modelos que utilizavam, de forma a poderem ser replicados nas instituições que eram alvo de rating. O que significa que os agentes, obviamente com o objectivo de obterem um rating maior, melhor, e portanto obter menor custo do seu financiamento, puderam ajustar os seus próprios balanços e as suas próprias actuações a esses modelos de rating. Infelizmente, muito se tem falado sobre esta matéria mas até agora nada foi feito, não houve nenhuma responsabilização das companhias de rating e continua a haver, na prática, uma situação de oligopólio e oligopólio apenas de três entidades, ou melhor dizendo de duas - é quase um duopólio, dado que há duas grandes empresas a nível mundial que são totalmente irresponsáveis. Irresponsáveis no sentido de que continuam a actuar no mercado sem se lhes poder pedir responsabilidades, continuando a afectar gravemente, agora pelo extremo oposto, as entidades que são objecto de rating, porque as suas análises continuam a ser a base da maior parte dos modelos de risco utilizados pelas instituições financeiras e investidores.

Não criticaria tanto os auditores, mas fazem parte dos agentes envolvidos nesta crise e, neste caso, a crítica é mais por uma certa desresponsabilização progressiva da parte das empresas de auditoria, que se verificou através da forma de defesa que arranjaram e que é juridicamente inatacável. Pediram aos Conselhos de Administração a confirmação de que as informações que lhes eram providenciadas estariam correctas. Desta forma, estes agentes pronunciam-se sobre informações e não têm que testar a sua própria correcção. Bom, isso aliás, minimiza o valor da função de auditoria e é algo que tem que ser analisado. Ora, o que pretendemos são auditores que verifiquem a veracidade da informação, e não que mencionem que segundo a informação que lhes foi dada as contas estão correctas e que o resto não é do escopo da sua análise.

Se este foi o comportamento dos agentes, o que é que se aprendeu, quais são as lições que podemos tirar daqui? Por um lado, combater a pró-ciclicidade das medidas que tomamos. Quer seja a nível dos sistemas de supervisão, quer em termos dos modelos contabilísticos - das regras contabilísticas -, quer seja dos incentivos que se dão aos operadores de mercado. Isso significa, por exemplo, avançar no domínio das provisões anti-cíclicas que só um banco central, acho que é de realçar este facto, que foi o Banco de Espanha, teve a coragem e a capacidade para impor. E lembro-me das fortes discussões que houve por causa destas medidas, inclusive, foi considerada uma falha de level playing field a existência de provisões anti-cíclicas em Espanha. Isso foi discutido várias vezes em Frankfurt e hoje em dia, ao contrário do que se considerou na altura, é visto como um paladino e um antecipador de tendências. Por outro lado, coisas como as análises de risco e o tipo de provisões e de consumos de capital associado, só para dar um exemplo, ao Loan to value das operações de crédito, que é algo que foi praticamente esquecido e não estava incorporado na maior parte das análises, e nos derivados, nas garantias de acções, nos níveis de solvabilidade que as instituições financeiras têm que manter para o seu funcionamento. Por outro lado, combater a pró-ciclicidade significa criar situações em que o consumo de capital exista nos momentos altos do ciclo e não apenas quando as instituições estão fragilizadas. Obviamente nessa altura não o conseguem, e, ou se vai para a solução de intervenção dos Estados - logo que se recorra ao dinheiro dos contribuintes - ou provavelmente teríamos tido falências em larga escala a nível mundial. Portugal, apesar de tudo, passou bastante ao lado dessa crise mas não foi totalmente incólume.

Nas regras contabilísticas, a mesma situação: não há nada melhor para criar pró-ciclicidade do que as regras do market value e mark to market, sem permitir nenhum tipo de análise a esses valores, nem sequer nenhum tipo de ponderadores que tenham em conta se é um problema do título ou um problema do mercado em geral. Lembro-me de ter esta discussão na altura da criação do Banco Central Europeu em que acabou por se definir que o valor a utilizar nos bancos centrais europeus era o valor de fecho do dia 31 de Dezembro. Nós no dia 31 de Dezembro, nomeadamente da parte da tarde, portanto, próximo do fecho, temos um mercado extremamente fino e pouco profundo, o que poderá dar origem, de vez em quando, a situações um bocado originais, mas enfim… não vou falar dos IAS 39, que já foram aqui falados várias vezes.

Sobre os incentivos aos operadores do mercado não só aos gestores, mas às pessoas que estão a funcionar directamente nos mercados - diria que é mais importante actuar a esse nível do que ao nível da gestão global. Porque é aí que surgem todas as dinâmicas especulativas e os problemas a que assistimos nestes últimos anos e que estão na base desta crise.

Melhorou-se, pelo menos a nível europeu, na área da supervisão de grupos financeiros e na cooperação internacional, embora ainda haja muito a fazer, e na supervisão comportamental; na área da transparência, da standardização, da simplificação, portanto, um mercado, se calhar, menos atractivo do ponto de vista intelectual, se quisermos, mas muito mais claro e muito mais sólido, esperamos nós, no futuro.

Que perspectivas temos face a tudo isto? Por um lado, creio que aqui foi apresentado extensamente o que é que podemos esperar e concordo com a maioria do que foi dito. Sinteticamente, creio que podemos esperar um modelo mais tradicional de banca. A Banca mais como intermediário financeiro. O fim dos chamados bancos de investimento puro, embora a actividade da banca de investimento vá continuar a ser muito importante. De salientar que 2009 foi um dos anos mais rentáveis de sempre para a banca de investimento, mas dentro de um âmbito de relacionamento diferente, muito mais de conselheiro do que de tomada de risco directa e de criação de produtos tóxicos, como ficaram a ser chamados.

Por outro lado, uma regulação obrigatória, abrangendo mais entidades e adequada aos instrumentos utilizados, portanto, não standardizada, pelo contrário, mais tailor-made. A discussão da utilidade de certas práticas, como o short selling, que foi aqui tão mencionado há um ano atrás, e que já todos nós esquecemos, de qual é o potencial para fazer inflectir o mercado de formas desproporcionadas, ou seja, criar volatilidade adicional. E temos, com certeza, uma situação em que o dinheiro fácil e, nomeadamente, os spreads, como pagamento do nível de risco, não vão voltar a ser o que foram num período curto antes do eclodir desta crise, ou seja, o custo de oportunidade do capital vai estar, com certeza, mais presente. E vai estar mais presente porque a própria regulação e os próprios modelos internos das instituições financeiras não vão esquecer o que aconteceu, espero eu.

Uma questão que resta analisar, e será muito interessante nos próximos anos, é como é que os Estados vão conseguir sair progressivamente das instituições financeiras. O maior banqueiro no Reino Unido é o Tesouro inglês; se formos para a Bélgica ou para a Islândia, também. Nos Estados Unidos não é tanto assim mas também está muito presente em grandes instituições, do Citibank à AIG, para não falar de outras que já aqui foram mencionadas. É uma questão que vai ser interessante analisar. Talvez corra bem, como correu no caso sueco há uns anos atrás. Noutros casos, de mercados mais sofisticados, vai ser com certeza uma matéria complexa.

Por outro lado, e para terminar, creio que várias oportunidades estão a ser perdidas. O Dr. Carlos Rodrigues acabou de mencionar ainda há pouco que o controlo das offshores, que era fundamental em muitos destes aspectos, continua a não ser conseguido. É um dos aspectos que começa a ser esquecido.

A regulação internacional continua muito difícil, ou seja, se a nível europeu se estão a dar vários passos importantes nesta área, a articulação com o mundo anglo-saxónico, e nomeadamente, com os Estados Unidos, continua muito básica. O novo papel dos raters e dos auditores não está a ser discutido, ou seja, passada uma fase em que se falou muito sobre criar agências de regulação dessas instituições, que eu nem sem muito bem como é que poderão ser criadas. Provavelmente seria mais uma questão de responsabilização directa destas agências, ou destas entidades, pelos erros que foram cometidos e não tanto criar mais agências de regulamentação para apenas três entidades a nível mundial.

E, por último, há um aspecto fundamental que gostava de salientar. É que se queremos melhor regulação, e não necessariamente mais regulação, temos que reinventar outra vez, ou reaceitar - aquilo que foi durante tantos anos a tradição de supervisão de que o Banco de Inglaterra foi o grande campeão e o iniciador há uns séculos atrás - o facto da regulação estar muito ligada, também, à chamada moral suasion, ou persuasão moral, e não apenas a regras fixas que tentando ser amplas, standardizadas, muito claras e transparentes, e que acabam por não cobrir os casos concretos e não ser capazes de se adaptar à realidade no momento em que é necessário. Penso que este é um aspecto que contraria o que aconteceu nos últimos 10 ou 15 anos. No caso inglês, este modelo funcionou bem durante décadas, para não dizer séculos, mas foi praticamente abandonado nos últimos anos. Penso que é um aspecto que permitirá que melhor regulação não seja muito mais regulação, como aquela que iremos ver nos próximos meses e, provavelmente, durante dois ou três anos.

Maio de 2010, Comunicações IDEFF – Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal da Faculdade de Direito de Lisboa

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