CÂMARA DE COMÉRCIO AMERICANA EM PORTUGAL

Começo por agradecer o convite que me foi dirigido, e que muito me honra, para intervir neste almoço da Câmara de Comércio Americana em Portugal.

Procurarei, numa primeira parte, tecer alguns comentários sobre o momento que atravessamos.

O nosso país, como todos sabemos, está a realizar o seu Programa de Ajustamento Económico e Financeiro, que resultou do excessivo sobre-endividamento, da acumulação de elevado défice externo, que nos deixaram dependentes do financiamento do exterior, que se nos fechou.

Até há bem pouco tempo, a forma como o Programa estava a ser executado permitiu-nos obter importantes ganhos de imagem no exterior, tanto nos centros políticos como na percepção dos mercados sobre as perspectivas de evolução da economia nacional. São inegáveis os progressos alcançados na consolidação orçamental, na estabilidade do sistema financeiro e nalgumas reformas estruturais.

De facto, temos êxitos significativos a registar:

  • O nosso saldo primário reduzira-se de – 7,0% do PIB em 2010 para – 0,4% do PIB em 2011 (e – 0,5% em 2012)
  • A despesa pública caiu 4,6% em 2011, para 84 393 milhões de euros. Esta redução poderia ter sido ainda mais significativa (-7,2%) se os juros não tivessem aumentado 39,4% no mesmo período. Mais ainda, espera-se uma redução da despesa de 8% em 2012 (9,5% se excluirmos os juros que deverão aumentar 9%).
  • O saldo da balança de pagamentos reduzira-se de – 9,7% do PIB em 2012 para – 6,6% em 2011 e – 2,6% em 2012 (- 1,1% se considerarmos a balança de pagamentos e capitais)
  • O comportamento das exportações portuguesas superava todas as expectativas, tanto no que respeita ao seu crescimento, como em relação à diversificação dos destinos: em 2011 as exportações de bens e serviços registaram um aumento de 13,3%, com a de bens a crescer 15,3%. Nos primeiros 8 meses de 2012, houve um crescimento homólogo de 9,6%
  • As remessas de emigrantes também registaram um óptimo comportamento, crescendo 6,3% em 2010 e 0,2% em 2011
  • Os mercados apreciaram estas evoluções e estão a ter uma leitura positiva do nosso programa de ajustamento (bem como do da Irlanda), o que se demonstra pela descida dos diferenciais das taxas de juro da dívida pública a 10 anos e a 1 ano face à Alemanha; o re-acesso das maiores empresas (EDP, BRISA, PT, SONAE,…) aos mercados obrigacionistas fez-se em condições muito razoáveis; na passada semana, também o BES teve claro sucesso numa emissão de dívida sénior a três anos de 750 milhões de euros, com uma procura 5 vezes superior à oferta, antecipando um ano a ida ao mercado de médio e longo prazo.

 

Mas, a todos estes bons resultados, temos um outro factor que é apreciado e enfatizado pelos mercados e cuja importância, enquanto factor diferenciador, importa salientar.

Na realidade, na execução do rigoroso e duro programa de austeridade, exigindo fortes sacrifícios aos cidadãos, tem estado a ser feita num ambiente onde prevalecia:

- a consciência cívica de que o País necessitava de ajuda externa, que ia cumprir os seus compromissos, que o empobrecimento temporário era inevitável

- um consenso e uma coesão e paz social, que naturais manifestações de descontentamento, apreensão e protesto não punham em causa, revelando os portugueses um elevado sentido de responsabilidade plasmado na celebração de um acordo de concertação social, em vigor

- um consenso e um compromisso político entre a coligação no poder e o Partido Socialista, na oposição, para a execução do Programa de Assistência, negociado e assinado enquanto este partido era responsável pelo Governo.

 

Mas, como sempre se admitiu, à medida que se fizessem sentir os efeitos das medidas de austeridade nas pessoas, era natural que o ambiente se carregasse. É o que se denomina de “fadiga do ajustamento”.

No entanto, a noção de que o Programa estava a ser executado com sucesso, alimentava a chama da esperança – a austeridade e os sacrifícios são inevitáveis, e não só íamos conseguir atingir os objectivos, como poderíamos implementar um novo modelo de crescimento mais dinâmico e mais aberto.

Mas surgiu primeiro a má nova de que o ajustamento das contas públicas, em resultado do mau resultado das receitas fiscais, ia ficar aquém dos objectivos e requerer medidas de austeridade adicionais. Além disso, previa-se que a recessão se iria prolongar a 2013.

Depois, a forma como foi anunciada uma medida correctiva (TSU) despoletou um movimento de descontentamento, principalmente revelador de um sentimento de angústia e preocupação. Como vamos superar as dificuldades? Vamos conseguir?

Todos sabemos que vivemos tempos extraordinariamente difíceis e complexos, marcados pela necessidade de se alterar o “modo de vida”. Todos somos chamados a colaborar na resposta aos graves problemas que enfrentamos, tendo as elites uma responsabilidade ainda maior, pela sua melhor preparação, capacidade de compreender a dimensão das questões e de ajudar na sua superação e na mobilização de todos para esta tão complicada tarefa.

Mais do que noutras situações de crise por que passámos, é exigida muita lucidez, clarividência, bom senso, realismo e criatividade, a par de uma chamada exigente da inteligência emocional, mais orientada para a devolução da esperança do que para a criação de um clima de desesperança ou de revolta, alimentado muitas vezes pela pura contestação e especulação, sem qualquer argumento ou proposta credível de soluções alternativas viáveis.

Não se podem ignorar as graves situações de muitos portugueses e os sacrifícios que estão a fazer, o estado de preocupação de muitos outros pelo seu futuro, o que acentua ainda mais este dever das instituições nacionais de servir os cidadãos e o nosso País. E tal começa na obrigação de prestar informação rigorosa, transparente, compreensiva, prestada atempadamente, como a única forma de esclarecer e evitar as especulações destrutivas, muito ao gosto da chamada extrema esquerda.

Não vislumbro nenhuma alternativa mais favorável para Portugal de que a da execução de um programa de ajustamento, envolvendo a consolidação orçamental e, portanto, austeridade, e a restauração da competitividade para acelerar a passagem para o crescimento e o emprego. O País necessita, sem dúvida, de financiamento institucional que nos proporcione o tempo necessário para regressar aos mercados.

A saída do Euro teria custos insuportáveis e afastava-nos de uma qualquer trajectória que nos permitisse voltar a convergir num período razoável.

Romper com compromissos internacionais assumidos, ou seja, não cumprir, seria não só uma desonra e uma vergonha como nos penalizaria durante décadas da utilização normal dos mercados. Está fora de causa.

Resta-nos, portanto, executar o Programa de Ajustamento Económico e Financeiro, procurando obter, na medida do possível, graus de flexibilidade e de ajustamentos e/ou complementos aos Acordos atuais. Como aliás aconteceu já ao longo da execução.

Vale recordar que:

Em 1995, a dívida pública total representava 60% do PIB, hoje, mais de 120% do PIB. A dívida externa líquida era 8% do PIB, hoje é maior que 100%. A taxa de poupança representava 22% do PIB, hoje menos de metade. O país não pode voltar a crescer sem, primeiro, realizar o ajustamento.

O Programa de Ajustamento tem três vertentes fundamentais – a consolidação orçamental e o reequilíbrio das finanças públicas, as reformas estruturais e o crescimento económico, e uma quarta que contempla o fortalecimento do sistema financeiro, por forma a assegurar o financiamento da economia.

A consolidação orçamental pode fazer-se pelo lado do corte da despesa pública e pelo lado do aumento da receita, normal e extraordinária.

O total da despesa pública compreende a despesa corrente primária, a despesa de capital e os juros.

O esforço de redução da despesa a realizar para o Orçamento do Estado de 2013 é de  4,9 mil milhões de euros.

A despesa corrente primária está concentrada em quatro grandes áreas: Segurança Social, Saúde, Educação, e o conjunto que designa de segurança, constituído por Defesa, Polícia e Justiça.

Não sendo de esperar conseguir realizar grandes cortes no domínio da Segurança Social (no entanto, o aumento da TSU dos trabalhadores pode contribuir para a sua sustentabilidade) e não podendo esperar grandes reduções no da Segurança, com eventual excepção da possibilidade de reduzir ou limitar a aquisição de equipamentos), o bolo principal deverá concentrar-se na Saúde e na Educação.

Ora, para lá da actuação sobre a eficiência nestes dois domínios, e para não perder qualidade na prestação de serviços, as vias possíveis de actuação adicionais passarão pela optimização dos recursos humanos, o que pode implicar redução de efectivos, pelo aumento das taxas moderadoras na saúde, e reintrodução de propinas no ensino, em função dos rendimentos das famílias nos dois casos.

Qualquer destas acções será acompanhada de contestação e protestos, de que se está a pôr em causa o Estado Social, mas a verdade é que não há solução milagrosas, há que ser muito realista e ter bom senso. Serão preferíveis soluções desta natureza, configurando de certo modo o modelo do utilizador/pagador, ou carregar na carga fiscal.

O projecto denominado Refundação, compreendendo a redução da despesa pública e a aceleração das reformas estruturais, com foco na Administração Pública, se peca por alguma coisa é pelo facto de talvez dever ter sido iniciado mais cedo…

Há uma outra componente de peso na despesa pública total onde a margem de actuação dependerá fundamentalmente da disponibilidade da União Europeia, do FMI e dos investidores, e que tem a ver com os juros e, eventualmente, do alargamento do financiamento.

Contrariamente ao desejável, os juros aumentarão: de 4,9 mil milhões de euros em 2010 e 6,9 mil milhões de euros em 2011 para 7,5 mil milhões de euros em 2013. Só a renegociação das taxas e/ou prazos, a eventual possibilidade de acelerar o processo que contemplará a mutualização da dívida soberana no seio da União Europeia e um bom comportamento nos mercados secundários permitirá uma redução da componente juros.

Uma observação muito relevante surge ao fazer referência à componente juros da dívida pública: o financiamento externo é a restrição activa que condiciona a formulação da política económica.

“Qualquer adiamento do ajustamento implica novas necessidades de financiamento (que não estão asseguradas) e um agravamento do problema da insustentabilidade da dívida pública, com consequente perda adicional de credibilidade.”

Quando muitos falam na vantagem de abrandar e alargar o período da consolidação orçamental, invocando o risco de uma espiral negativa entre consolidação orçamental e recessão, e/ou de solicitar mais financiamento para cobrir necessidades não contempladas, ter-se-á de avaliar devidamente os seus efeitos.

No que respeita aos aumentos da receita, é muito provável que se tenha atingido o limite social e economicamente comportável e sustentável, como demonstra o mau desempenho das receitas fiscais.

No entanto, a questão central da crise que o nosso país atravessa é a do crescimento económico. Por si próprio e também porque o PIB é o denominador de todos os rácios: quanto mais crescer, menos reforço requer nas actuações sobre o numerador; quanto mais diminuir, mais esforços e medidas obriga às funções representadas no numerador.

Como afirmou na passada 6ª feira Carlos Costa (cujo trabalho como Governador do Banco de Portugal merece os maiores encómios) “a importância do crescimento económico para a trajectória do rácio da dívida pública pode ser ilustrada com um cálculo simples: partindo de valores plausíveis para o caso português em 2015 e mantendo constante as outras variáveis relevantes, entre 2016 e 2020 o aumento de 1 p.p. na variação do PIB permite obter, no final do período, um rácio de dívida inferior ao cenário base em 15 p.p.”.

A consolidação orçamental obriga a exigentes e dolorosas medidas de austeridade e é sabido que austeridade e crescimento são pouco conciliáveis. Assim, numa primeira fase de um processo de ajustamento, a recessão e o empobrecimento são inevitáveis. Durante esta fase, é comum haver transferência significativa de activos para outros stakeholders e, em muitos casos, perda de centros de decisão.

A passagem da recessão para o crescimento económico é potenciada pelas reformas estruturais entretanto realizadas com a finalidade de diminuir os custos de contexto e de gerar ganhos de competitividade apreciáveis, que incluem também a diminuição dos custos com pessoal, a melhoria da eficiência e o impacto da inovação.

A questão fulcral do nosso País é a de como acelerar a criação de riqueza que permite passar para um crescimento sustentável. É que o crescimento do PIB é fundamental para atingir o reequilíbrio das finanças públicas e para criar emprego, aumentar os proveitos dos cidadãos e das empresas, impulsionar o consumo e a poupança.

Ora, para isso, é necessária capacidade e iniciativa empresarial e de investimento, assegurar o financiamento da economia, das empresas e saber aproveitar oportunidades nos mercados. A política fiscal poderia ser um instrumento essencial na atracção de investimento estrangeiro e nacional e no impulso da internacionalização das nossas empresas.

O financiamento das empresas passa por várias vias: depende da qualidade e da quantidade de investimento e da suficiência de capitais próprios; da capacidade de obter crédito em condições razoáveis; do recurso ao mercado de capitais, designadamente, no que respeita a emissão de obrigações; da normalização dos prazos de pagamento nas relações entre empresas, e entre o Estado e as empresas.

Na Europa, 2/3 do financiamento das empresas provém do crédito bancário (nos EUA, 70% é obtido no mercado de capitais). É, pois bem conhecido o peso que a obtenção de crédito tem no financiamento das empresas portuguesas.

Sabemos que a dívida das empresas portuguesas chegou a representar 137% do PIB em 2010, um dos valores mais altos da União Europeia (na Alemanha representava apenas 50% do PIB).

As empresas, tal como Estado, os particulares e os bancos, tiveram e têm, assim, necessidade de reduzir o seu endividamento. Por outro lado, na conjuntura actual, muitas delas enfrentam problemas que se reflectem negativamente nos balanços, prejudicando o acesso ao crédito. O aumento dos níveis de autofinanciamento das empresas é uma necessidade. A recapitalização das empresas surge, assim, como elemento fulcral para o crescimento económico.

Quando os seus actuais accionistas não conseguem, por si, realizá-la, justifica-se a utilização de alternativas:

  • entrada de novos accionistas
  • parcerias com outras empresas, podendo visar a sua consolidação (fusão, associação ou aumento da capacidade de captação de recursos)
  • recursos a capital de risco nas suas diferentes vertentes (e é pouco explicável a escassa utilização deste instrumento…)
  • instrumentos inovadores e formas diferentes das usuais de reforço de capital, nomeadamente, a criação de fundos de recapitalização, privilegiando as boas empresas exportadoras
  • reestruturações dos seus créditos, com eventual transformação da parte da dívida em capital e com reforço da “governance” das empresas
  • maior utilização do mercado de capitais
  • integração em fundos de reestruturação.


A aplicação dos modelos de Programas de Ajustamento Económico e Financeiro a um Estado Membro da União Europeia e, mais, da União Económica e Monetária, deveria, a meu ver, ser devidamente complementada com um pacote extraordinário de medidas de estímulo ao investimento, ao crescimento económico e ao emprego, próprio de uma União que tem como pilares a coesão, a convergência e a solidariedade.

É visível a extrema dificuldade que os países sob assistência financeira, e que prosseguem pesadas medidas de austeridade, têm para evitar recessões profundas, derivadas da queda do consumo público e privado.

Sabe-se que o crescimento económico é o fim último dos programas, mas pressupõem-se que são as medidas correctivas que permitem melhorar a competitividade das economias.

Entretanto, a espiral recessiva afasta cada vez mais esses países dos objectivos de coesão e de convergência com os seus pares europeus.

A sua situação comporta desvantagens competitivas muito intensas em relação aos outros Estados membros: mercados financeiros e de capitais fechados, cargas fiscais mais gravosas, exiguidade de capital, mercados internos deprimidos. Tudo isto tende a criar um quadro pouco atractivo para o investimento.

Parece-me que se justificaria plenamente a criação de um Programa Extraordinário e Temporário de Apoio ao crescimento e ao emprego, utilizando eventualmente fundos de coesão, fundos estruturais, “project bonds”, financiamento do BEI, com a finalidade de apoio e financiamento das empresas, flexibilizando as normas de aplicação dos fundos. Alguns chamar-lhe-ão uma espécie de Plano Marshall, de Plano Merckel, ou de Plano Durão Barroso, como preferirem.

Sabemos já quão difícil está a ser a discussão sobre as Perspectivas Financeiras e o Orçamento da Comissão 2014-2020, com vários Estados Membros a alegar problemas internos e a procurar restringir o seu esforço. Também sabemos que a distribuição do “bolo” cobre agora muitos mais Estados Membros, pelo que a repartição será mais difícil. Mas faria todo o sentido a criação de um tal mecanismo.

É que, de facto, as soluções hoje não são só nacionais, são europeias.

Uma agenda para o crescimento constitui uma necessidade premente, e registo as medidas agora anunciadas pelo Ministro da Economia.

Apesar das dificuldades da conjuntura, o nosso País progrediu notavelmente nos últimos 20 anos. Temos hoje uma capacidade científica e de gestão muito superior, uma força de trabalho muito mais qualificada, infraestruturas excelentes, vários casos de franco sucesso no domínio da inovação e da tecnologia. Os nossos empresários têm sabido reagir e dar uma excelente resposta às adversidades, virando-se cada vez mais para os mercados externos.

Conviria encontrar solução para as desvantagens competitivas que a crise desencadeou, procurando eliminar contradições evidentes. Por exemplo, adoptando um quadro de benefícios fiscais para atrair investimentos e para a criação de emprego.

É fundamental atrair investimento, estrangeiro e nacional, aproveitando a melhoria da competitividade que resulta das reformas estruturais, com efeito a médio e longo prazo, das melhorias da eficiência introduzidas nas empresas e da desvalorização da taxa de câmbio real, a curto prazo.

Repare-se que, pertencendo à Zona Euro, não dispomos de margem de manobra no que respeita à taxa de câmbio nominal, mas tem-se produzido uma desvalorização interna através da redução salarial, do aumento dos impostos sobre o consumo (não, ainda, como se poderia utilizar, da redução de encargos fiscais sobre o trabalho).

Outro factor importante para a atractividade do investimento tem a ver com desvantagens competitivas que resultam de as taxas de juro do crédito serem mais altas do que nos Estados Membros menos afectados pela crise da dívida soberana. Voltarei a este assunto no final da minha intervenção.

Ainda sobre o crescimento, acrescentarei apenas que uma estratégia de crescimento para a economia portuguesa se tem de centrar no sector transaccionável da economia, nas exportações em amplo sentido. Estas representavam em 2010 30% do PIB e deverão ser cerca de 35% este ano, quando em países semelhantes ao nosso são, quase sempre, superiores a 50%.

O Estado, a quem compete um papel catalisador de uma transformação estrutural, deverá principalmente promover o enquadramento institucional e condições macroeconómicas favoráveis ao investimento.

Não tenho hoje tempo para desenvolver um ponto de vista, que defendi há muitos anos e continuo a crer que corresponde ao perfil de Portugal – deveríamos ser, na Europa, uma aproximação do que a Flórida é nos EUA, com um cluster central que designaria por cluster de bem-estar (turismo residencial, saúde, lazer, indústria da cultura, distribuição alimentar, etc.), um cluster de indústrias do mar, outro voltado para as novas tecnologias, a agroindústria, incluindo os vinhos, mantendo vivo o cluster do sector automóvel, das industrias tradicionais de qualidade e valor acrescentado e centro aberto à iniciativa empresarial inovadora.

Para terminar, uma referência ao sector bancário. Há cerca de duas horas fiz, no Fórum da Banca, uma intervenção sobre a situação actual e os desafios principais que se colocam à banca nacional, nas suas missões fundamentais de defesa intransigente dos seus depositantes e de financiamento da economia.

Estará à vossa disposição no site da APB. Apenas transcrevo um breve trecho:


OS GRANDES DESAFIOS DO SISTEMA BANCÁRIO

A crise financeira colocou um travão ao processo de integração financeira na Europa e existem, com o acentuar da crise da dívida soberana, riscos de uma fragmentação adicional.

No que respeita à evolução da integração financeira, deve notar-se que as taxas de juro aplicadas pelos bancos diminuíram, em média na Europa, cerca de 70% quando comparadas com as vigentes em 1990.

Embora seja difícil de quantificar, as baixas taxas de juro cobradas às empresas contribuíram para o aumento do investimento, do emprego e do crescimento, beneficiando todos os agentes económicos europeus.

Numa União Monetária é suposto existirem condições monetárias homogéneas, uniformes em todos os membros. Mas a realidade mostra que a UM está actualmente fragmentada e cada Estado Membro está sujeito a condições monetárias particulares – liquidez, taxas de juro, condições de crédito -, muito mais gravosas nos países mais afectados pela crise da dívida soberana.

Também se regista algum declínio ou mesmo reversão de fluxos de crédito cross-border, focando-se mais os bancos nos seus mercados domésticos e procurando ir ao encontro das necessidades de financiamento domésticas.

Há diferenças crescentes nos custos de financiamento “wholesale” e nas taxas de juro do retalho entre os Estados Membros.

Este processo é, de alguma maneira, agravado pelo foco que alguns supervisores têm colocado na estabilidade financeira do seu próprio país.

Há a consciência de que existe um risco de ver aumentar a propensão para a redução da exposição de bancos em outros Estados Membros, de os bancos estarem a ser encorajados a investir a sua liquidez na dívida doméstica e de os seus reguladores aumentarem as suas intervenções discricionárias a nível nacional.

A crise financeira veio trazer ao de cima as insuficiências existentes no funcionamento da UEM e multiplicam-se as iniciativas políticas, legislativas, regulamentares e estruturais para tentar corrigir o que impede o bom funcionamento e os objectivos que ditaram a criação da UM. A União Bancária, a União Fiscal, a União Política e um Banco Central “Lender of last resort” são fundamentais para normalizar a situação.

Mas os interesses em jogo não são muitas vezes coincidentes, nem do ponto de vista político, nem empresarial.

O processo é complexo, difícil e tem sido mais lento do que as necessidades requerem.

É neste quadro que o sistema financeiro europeu está a viver um momento de profundíssimas mudanças, que conduzem a um novo paradigma para o sector.

Este caracteriza-se por uma autêntica “revolução” regulatória, tecnológica, comportamental e por alterações significativas nos modelos de negócio.

Apesar do contexto adverso em que têm vivido, os bancos portugueses estão mais sólidos, bem provisionados, cumprindo a sua missão fundamental de intermediação: a primeira responsabilidade dos bancos é a de gerir bem os depósitos dos seus clientes, remunerando-os adequadamente e de aplicar os recursos obtidos de forma eficiente, no financiamento das famílias, das empresas, das instituições, ao serviço da economia, do crescimento e do bem-estar dos cidadãos.

A banca portuguesa tem cumprido escrupulosamente as suas responsabilidades, revelando uma assinável capacidade de modernização ao longo das últimas décadas e uma resiliência notável face às conjunturas muito difíceis, que caminham para o 5º ano consecutivo.

Os bancos portugueses, com uma situação de liquidez agora mais confortável, com níveis de solvência e solidez elevados (os mais altos de sempre) continuarão a ser os instrumentos fundamentais de um sistema financeiro forte, cumprindo a sua missão insubstituível de financiar a economia.

 

Fernando Faria de Oliveira

Presidente da Associação Portuguesa de Bancos

Lisboa, 6 de Novembro de 2012